sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Primeiro dia

Sentado já há trinta minutos, fiquei ansiosamente a esperar a aula começar. Não dormi na noite passada, fiquei imaginando como seria a primeira aula no Instituto Federal de São Gonçalo do Amarante.
Imaginei coisas baseadas nas propagandas de quem já estudava. Quem estuda no IF parece que vira garoto propaganda do Instituto: sempre falando das qualidades da estrutura; usa a farda para ir pro shopping, pro casamento da avó, pro velório do tio; posta no Facebook o quanto está atarefado com as atividades; compartilha os status dos amigos que lamentam a falta de tempo e comentam “fato”. Enfim, é uma série de artifícios que criam uma muralha imaginária de dificuldades pra quem sonha em estudar no Instituto.
- Você está preparado para começar a estudar de verdade? – Me questiona uma linda garota de cabelos loiros.
- Na verdade nem sei o que estou sentindo. Devo estar com um ecossistema no estômago – Não soube discernir se era o nervosismo da aula, ou de estar perto da garota.
- Fica calmo. O professor nem chegou ainda.
- Por isso mesmo. Talvez o monstrengo esteja preparando um algoritmo para iniciar o massacre com os calouros.
- Monstrengo? Espere pra ver o tourão que é o professor de Eletrônica!
- Ah, que ótimo! – Por mais que ela falasse em tom irônico, aquilo me parecia tudo verdade.
- Esqueci de perguntar o seu nome.
- Eu tenho cara de quê?
- Felipe, Mário, Pedro, Jorge, não sei.
O professor estava demorando muito. Era aula de Programação em plena segunda-feira no primeiro horário. Tentei imaginar então como seria a aula.
            Lembrei de que, quando andava no ônibus, sempre via algum estudante do IF com uma lista de 500 páginas de exercícios, ou lendo livros volumosos como o de Harry Potter. Pensei então que a aula seria como um congresso intergaláctico de nerds alienígenas resolvendo equações das teorias do universo.
- Vou te passar todas as boas práticas de sobrevivência, tudo bem?
- Acho que você não está me ajudando.
De repente toca para o intervalo e nada do professor.
No intervalo, deu para respirar. Mas não por muito tempo. Um sujeito veio se aproximando de mim. Primeiro dia de aula, sempre tem um pobre coitado carente, tentando fazer amizade.
- Muito bom, hein! A loirinha já tá na sua!
Ops, me enganei. O guri era gente boa.
- Que nada. – respondi olhando para os lados.
- Vamos sair, estão vindo uns babacas. Eles são de Edificações.
            Então percebi que se existiam “eles”, existia um “nós”, eu e meu amigo. Então isso fazia de mim um pobre carente também.
- Vou voltar pra sala, vou lanchar lá. - falei tentando sair de perto dele.
Voltei e sentei novamente no meu lugar.
A cadeira verde parecia muito confortável comparada às da minha antiga escola. Ela tinha uns nomes em alto-relevo que me atentavam para pegar o lápis e rabiscar seus contornos, coisas que geralmente fazemos quando não botamos a tampa da caneta na boca. No canto superior direito da mesinha, tinha um suporte arredondado que me fez imaginar um copo bacana para encaixar ali e poder me hidratar durante as aulas.
- Fez novos amigos? – A loira se chegava novamente.
- Só um pobre carente, nada mais.
- Ah, que bom!
- O primeiro professor nem veio.
- Que sorte a sua. Programação é boa só de longe, acredite.
Entra velozmente um professor, com um jeito agoniado, montando as coisas sobre o birô. Camisa verde da Stalker, óculos, orelhas compridas, sem barba. Tira da bolsa um monte de papéis.
- Se prepara... – diz a loira com cara de assustada.
- Como assim?
O professor se ergue triunfalmente, como se fosse apresentar uma peça ao ar livre. Parecia até uma cena em câmera lenta.
- Vamos, vamos, entrando no clima, pegando as apostilas, que o conteúdo está delicioso!
A garota vira novamente pra mim.
- Bem-vindo ao IF oficialmente, sua alegria acaba aqui.
            O professor passa entre as filas entregando uma pilha de folhas, com textos e teorias da língua portuguesa. Ao passar por mim, percebe que sou novato.
- De onde você é, amiguinho? – Com uma voz tenuamente doce.
- Sou de Natal. – respondo desconfiado.
- Natal, mas é claro!

            Todos riram e eu não entendi o motivo. Mais tarde descobri que seria o primeiro de tantos outros famosos bordões.

                                                                                                Raddson Ricelle

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