quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Sandra Rosa Madalena

           Eu, naquela época, com pouco mais de meus dezoito anos, vivia num pedacinho de chão em meio a toda seca do sertão. Era um lugar bem sofrido, vivia-se praticamente o ano todo sem a chuva, sem a água que nos traz a vida, sem o matar da sede de nosso gado. Em meio a tantos motivos para a tristeza e dissabor, engana-se aquele que pensa que a tristeza reinava sobre aquela terra. O povo vivia feliz, ainda mais nesse período festivo. Era festa da padroeira da nossa cidade, Nossa Senhora dos Aflitos, esperança e alegria de todo o povo. Eu estava por lá, como todos os anos, porém mal sabia  que naquele ano as coisas seriam diferentes. Estava olhando as atrações daquela festa, quando a vi pela primeira vez naquele pedacinho de chão. Era uma mulher tão linda, que eu jamais poderia sonhar com tamanha formosura, nem imaginar cabelos tão negros como uma noite sem luar. Era uma cigana dançarina que estava acampada pela cidade, parecia ter a minha idade, jovem, mas capaz de fazer qualquer um delirar no gingado da sua dança. Foi a mulher com quem vivi a sonhar.
       Eu, muito interessado, fui me informar a respeito do nome da ciganinha de cabelos negros. O nome dela era Sandra Rosa Madalena. Todos já a aplaudiam naquele final de festa, mas de repente a ciganinha saiu da roda que havia sido feita, como se fugisse de alguém. Eu saí atrás dela, para saber aonde ela iria com tanta pressa. Ela andava rápido sem nem olhar para trás, apressando cada vez mais os passos, parecia até que já sabia que eu a seguia. A moça passava por ruas estreitas, descendo e subindo ladeiras, daquele pequeno lugar. De repente, a moça deu uma olhada para trás, uma simples jogada de cabelo para o lado, e entrou na avenida principal em meio à procissão de nossa padroeira. Eu havia perdido a moça de vista em meio a tanta gente, mas mesmo assim continuei a procurá-la como um louco. A curiosidade e o desejo aumentavam cada vez mais, quando de repente vi um vulto da ciganinha entrando numa rua. Eu havia voltado a seguir a moça pelas vielas daquela pequena cidade, só pensando aonde ela iria parar. Apesar de ser de fora da cidade, parecia conhecer muito bem cada lugar daquela terra.
      A moça entrou numa casa velha, uma pequena morada abandonada caindo aos pedaços. Quando a vi entrando na casa, pensei: “Agora descubro aonde vai essa ciganinha com tanta pressa”. Quando cheguei perto da porta da casa, escutei a moça falando, como se estivesse conversando com alguém, e então me aproximei da casinha. Escutei aflitivamente:
     - Não, eu não quero! Sai daqui. Não vou ceder, me deixe em paz! Peço-lhe por tudo que é sagrado... Por que eu? Hein, por que eu?
   Eu tomei coragem e abri a porta velha. A moça estava lá, sentada no chão empoeirado e sujo. Tinha a face abatida e trêmula, mas o que mais me chamou a atenção, foi o fato de estar sozinha naquela agonia. Não havia com quem ela dialogar, e ainda mais, estar tão nervosa. Então perguntei-lhe:
   - De quem estás fugindo? Me fala quem haveria de querer o mal de uma moça tão bela quanto você. Eu a venho observando desde a festa de nossa padroeira, e a vi entrar aqui.
       E esta indagação foi interrompida pelas súplicas da moça.
     -Tira ele daqui! Por favor, não!
     - Mas não há ninguém aqui, além de nós dois.
    A moça deu um único grito e apagou. Fui checar se ela estava viva, mas para a minha infelicidade ela não estava. E foi assim que eu cheguei aqui neste lugar, onde hoje estou, nesta cela de prisão, graças à infelicidade e injustiça do destino.


Daniel Santiago

Conto produzido a partir da letra da canção brega Sandra Rosa Madalena, de Sidney Magal.

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