quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Eu vou tirar você desse lugar

Havia uma vila muito pacata na rua dos Afogados, com moradores extremamente gentis e solidários. Sempre dispostos a cuidar da vida dos outros. Rui havia chegado há uma semana, era o assunto do momento. Como não conhecia muito a região, contava com a ajuda do seu vizinho e amigo de trabalho, Jander, que dava toda assistência a ele, convidava para almoçar, jantar ... Era o começo de uma bela amizade, mas não só entre eles.
A primeira vez que Rui esteve na casa de Jander foi para um jantar, foi então que conheceu Dona Célia, esposa de seu amigo, e logo se encantou com tão educada mulher.
- Foi uma noite muito agradável ! Você tem uma bela família, Jander, super-hospitaleira e simpática, espero voltar mais vezes. 
E essa foi sua primeira impressão, mas a vida de Jander não era esse mar de flores que fazia transparecer ao amigo. Nos últimos meses, vinha brigando muito com sua mulher. Dona de casa dedicada, não trabalhava, para cuidar dos dois filhos, Jadson e Juliane, mas tudo que recebia em troca de toda essa dedicação eram gritos, tapas e xingamentos.
Como mudara há pouco tempo, ainda não tinha começado a trabalhar e, sem mais o que fazer para sair da entediante solidão daquelas dias, resolve ir jogar conversa fora com o vizinho, sem lembrar que aquele era o horário de trabalho dele, restando apenas Dona Célia em casa.
 Reteve-se um pouco ao perceber que apenas a esposa se encontrava na residência, respeitava muito seu amigo, não queria causar uma má impressão às pessoas, mas  ainda assim passou a tarde toda a conversar com Célia, como ela disse que preferia ser chamada.
Foi uma conversa tão prazerosa, tão espontânea, que Rui resolveu voltar no outro dia. Se foi só pela conversa nem ele sabia dizer, mas estava lá no mesmo horário. A pobre Célia, que estava tão angustiada naqueles dias, viu em Rui um ombro amigo e resolveu se abrir para ele e descarregar toda a tensão dos ultimos tempos.
- Que família linda, Célia ! Parecem tão felizes!
- As coisas não são bem assim. O Jander tem bebido muito, chega tarde em casa, desconta toda a raiva do trabalho em mim e nas crianças, já não vejo tanta alegria em meus dias. Isso sem falar no consumo  excessivo de drogas dele. Começou com um cigarrinho de maconha, e agora já está tirando as coisas de casa para alimentar o vício. Quando falta dinheiro, o Jander me bate e quer que eu arranje mais, só que eu não trabalho e não tenho dinheiro guardado. Ultimamente ele tem me ameaçado de morte, geralmente quando não faço as vontades dele. Ele me mostra a arma e faz questão de encostá-la na minha cabeça dizendo que eu não presto, que encontraria uma mulher melhor na rua se quisesse. Tenho medo de que as crianças vejam, assim como tenho medo que ele faça isso com elas. Passar a tarde com você tem me feito tão bem, até esqueço minha triste realidade.
Essas palavras o encheram de vida, e ele voltou no dia seguinte. Já não sabia se estava indo pela solidão que passava, por ela ou por mais algum motivo que temia aceitar. As pessoas da vila já começavam a comentar às escondidas, mas não viam tanta maldade. Apesar de Rui ser um solteirão, Célia era uma moça de muito respeito.
A situação do casal só piorava, as ameaças só aumentavam. Célia começou a aparecer com alguns hematomas. Enquanto isso, Rui se aproximava cada vez mais, e ideias loucas passavam em sua cabeça. Ele sabia que devia tomar uma atitude, não podia deixar as coisas como estavam. Por um momento, deixou o sentimento falar mais alto e encheu-se de coragem. Esperou pela hora que Jander não estivesse em casa, tirou o carro da garagem, foi até à casa de Célia e, atropelando as palavras, propôs-lhe:
- Eu vim em busca do amor. Já não posso esconder-lhe mais. Vou tirar você desse lugar, dessa vida, vamos aproveitar que seu marido não está, levamos as crianças e vamos morar em uma casinha que acabo de alugar para nós.
- Mas assim, tão rápido ? E o Jander ? E tudo o mais ?
- Chega de sofrimento, esqueça tudo, é vida que se...
E, antes que ele acabasse de falar, ela pegou todo o necessário, pôs as crianças no carro e se mandou. Algumas loucuras são necessárias para sermos felizes.


Alexandra Moura
Alyne Macêdo

Conto produzido a partir da letra da canção brega Eu vou tirar você desse lugar, de Odair José  .




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