
- Foi uma noite muito
agradável ! Você tem uma bela família, Jander, super-hospitaleira e simpática,
espero voltar mais vezes.
E essa foi sua primeira
impressão, mas a vida de Jander não era esse mar de flores que fazia
transparecer ao amigo. Nos últimos meses, vinha brigando muito com sua mulher.
Dona de casa dedicada, não trabalhava, para cuidar dos dois filhos, Jadson e
Juliane, mas tudo que recebia em troca de toda essa dedicação eram gritos,
tapas e xingamentos.
Como mudara há pouco tempo,
ainda não tinha começado a trabalhar e, sem mais o que fazer para sair da
entediante solidão daquelas dias, resolve ir jogar conversa fora com o vizinho,
sem lembrar que aquele era o horário de trabalho dele, restando apenas Dona
Célia em casa.
Reteve-se um pouco ao
perceber que apenas a esposa se encontrava na residência, respeitava muito seu
amigo, não queria causar uma má impressão às pessoas, mas ainda assim
passou a tarde toda a conversar com Célia, como ela disse que preferia ser
chamada.
Foi uma conversa tão prazerosa, tão espontânea, que Rui resolveu voltar no
outro dia. Se foi só pela conversa nem ele sabia dizer, mas estava lá no mesmo
horário. A pobre Célia, que estava tão angustiada naqueles dias, viu em Rui um
ombro amigo e resolveu se abrir para ele e descarregar toda a tensão dos
ultimos tempos.
- Que família linda, Célia ! Parecem tão felizes!
- As coisas não são bem assim. O Jander tem bebido muito, chega tarde em
casa, desconta toda a raiva do trabalho em mim e nas crianças, já não vejo
tanta alegria em meus dias. Isso sem falar no consumo excessivo de drogas dele. Começou com um
cigarrinho de maconha, e agora já está tirando as coisas de casa para alimentar
o vício. Quando falta dinheiro, o Jander me bate e quer que eu arranje mais, só
que eu não trabalho e não tenho dinheiro guardado. Ultimamente ele tem me
ameaçado de morte, geralmente quando não faço as vontades dele. Ele me mostra a
arma e faz questão de encostá-la na minha cabeça dizendo que eu não presto, que
encontraria uma mulher melhor na rua se quisesse. Tenho medo de que as crianças
vejam, assim como tenho medo que ele faça isso com elas. Passar a tarde com
você tem me feito tão bem, até esqueço minha triste realidade.
Essas palavras o encheram de vida, e ele voltou no dia seguinte. Já não
sabia se estava indo pela solidão que passava, por ela ou por mais algum motivo
que temia aceitar. As pessoas da vila já começavam a comentar às escondidas,
mas não viam tanta maldade. Apesar de Rui ser um solteirão, Célia era uma moça
de muito respeito.
A situação do casal só piorava,
as ameaças só aumentavam. Célia começou a aparecer com alguns hematomas.
Enquanto isso, Rui se aproximava cada vez mais, e ideias loucas passavam em sua
cabeça. Ele sabia que devia tomar uma atitude, não podia deixar as coisas como
estavam. Por um momento, deixou o sentimento falar mais alto e encheu-se de
coragem. Esperou pela hora que Jander não estivesse em casa, tirou o carro da
garagem, foi até à casa de Célia e, atropelando as palavras, propôs-lhe:
- Eu vim em busca do amor. Já não posso esconder-lhe mais. Vou tirar você
desse lugar, dessa vida, vamos aproveitar que seu marido não está, levamos as
crianças e vamos morar em uma casinha que acabo de alugar para nós.
- Mas assim, tão rápido ? E o Jander ? E tudo o mais ?
- Chega de sofrimento, esqueça tudo, é vida que se...
E, antes que ele acabasse de falar, ela pegou todo o necessário, pôs as
crianças no carro e se mandou. Algumas loucuras são necessárias para sermos
felizes.
Alexandra Moura
Alyne Macêdo
Conto produzido a partir da letra da canção brega Eu vou tirar você desse lugar, de Odair José .
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