
No
intervalo da apresentação, me dirigi ao balcão, pedi uma dose de cachaça,
tentei chamar a sua atenção:
-
O que você tá achando do show, rapaz?
-
Honestamente, vocês estão cantando minhas emoções...
-
Então, quer dizer que você vem passando por uma separação?
-
Vê aquela moça dançando ali?
-
A de vermelho?
-
Sim, essa mesmo. Ela já foi minha – disse o rapaz, enxugando as lágrimas.
Perguntei-lhe,
então, se poderia me contar seus males, enquanto eu os anotava em um bloquinho
(assim consigo histórias para novas canções). Ele deu-me permissão e começou:
“Éramos
um casal feliz. Tínhamos nos conhecido na universidade. Eu fazia Publicidade, e
ela fazia História. Nós nos formamos no mesmo ano, um mês depois começamos a namorar.
Combinávamos
de sair nos fins de semana para frequentar lugares similares a este bar, às
vezes alguma baladinha meia-boca. Eu ainda morava com meus pais e, até então,
não tinha conseguido emprego, ao contrário dela, que dava aulas em uma escola
particular do centro. Ela vivia ocupada, mal tinha tempo para nós. Eram raras
as vezes que conseguíamos um tempo juntos, sem que ela pensasse em trabalho. Eu
me sentia deixado de lado.
Foi
então que, um dia, fui a um bar próximo à minha casa. A princípio, não tinha
nenhuma má intenção, só queria me divertir um pouco, beber, ouvir música. Nada
demais. Mas uma moça me apareceu, perguntou se a cadeira ao meu lado estava
livre e, sem que eu respondesse, sentou-se. Começamos a conversar e, quando dei
por mim, estávamos nos beijando. Era um fogo enorme que nos consumia. Não sei
se era carência ou uma mera atração, sinceramente, não sei mesmo o que teria me
levado àquilo.
Acordei
às 10h do dia seguinte. Minha cama estava bagunçada, manchada de batom. E um
bilhete no criado-mudo dizia:
‘Adorei
a noite, espero que não arranje problemas com sua noiva. Qualquer dia marcamos
de nos encontrar e sair novamente, bebê.’
Entrei
em desespero. O que havia feito? Por que eu teria feito isso? O sentimento de
culpa me bateu forte. Não sabia o que fazer. Queria contar a minha amada noiva,
mas também não queria perdê-la, e eu sabia que as consequências seriam grandes
se ela descobrisse.
Passaram-se
duas semanas, e eu não contei nada a ela. Até que um dia saímos para mais um encontro.
Fiquei surpreso, nervoso, preocupado, cheguei a suar frio... a moça que havia
dormido comigo estava lá. Fiz de tudo pra que ela não me reconhecesse.”
Nesse
momento, ele precipitou-se, deu um gole na bebida e enxugou as lágrimas com um
guardanapo, que logo ficou encharcado e desmanchou-se por entre os dedos dele.
“Mas
não teve jeito. Ela me viu. Veio em minha direção. Minha noiva desconfiou na
mesma hora. Não pude mais esconder, esperei que a outra moça saísse e contei a
verdade à minha amada. Ela ficou surpresa. Me deu um tapa. Saiu e me deixou
sentado aos prantos, vendo-a partir.
Desde
então, eu venho aqui todas as noites, bebo até dormir, acordo no chão do bar e
volto para minha vida vazia. Não suporto vê-la, ou pensar nela...”
-
Desculpe se estou me intrometendo, mas... se não suporta vê-la, por que vem
aqui? – perguntei.
-
Acredite, eu não esperava que ela viesse aqui, muito menos acompanhada, por
isso hoje está tão difícil pra mim!
O
show já ia recomeçar, eu tinha que voltar ao palco. Perguntei se tinha algum
pedido de música. Ele negou. Voltei ao palco.
Quando
começamos a tocar nossa segunda música, olhei para a cadeira em que o rapaz
estava, e não havia mais ninguém lá. Procurei a dama de vermelho, que ele havia
me apontado, e também não encontrei. Imaginei logo que teriam se entendido.
Estava enganado. Mal pensei isso, e ouvi um tiro vindo de fora do bar.
O
lugar parou. Todos correram pra fora. Quando cheguei à porta, me surpreendi com
o que vi: o rapaz dera um tiro em si mesmo. A dama estava ajoelhada, chorando
sobre o corpo. Ela gritava que ainda o amava. Estava desolada.
Levei-a
pra casa, perguntei se precisava de algo. Ela disse que não, mas perguntou o
que ele tanto falava comigo. Não tive coragem de contar tudo que ele me
revelara. Apenas disse:
-
Ele realmente te amava muito...
Saí
sem dar explicações. Nunca esquecerei essa história, jamais esquecerei a emoção
com a qual o rapaz me falava sobre ela.
Compus
uma música e, desde esse dia, sempre que canto a canção, conto a mesma
história. Jamais esquecerei a dama de vermelho.
Lucas Gabriel
Conto produzido a partir da letra da canção brega A dama de vermelho, de Jeca Mineiro .
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