sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A ÚLTIMA VALSA



No meio daquela valsa, nossos olhos se cruzaram mais uma vez. Vi em seu olhar o convite que me fazia ir para junto dele. Nossos rostos se aproximaram e pude enxergar, mesmo sobre as marcas que o tempo havia deixado em sua cinzenta pele, a beleza que despertava em mim os desejos mais excitantes que havia na minha imaginação. Éramos tão parecidos, existiam tantas semelhanças entre nós. Talvez fosse isso que atraísse os nossos corpos.
Não resisti àquele convite que me parecia o último. Perdemos-nos em meio a tanta sedução. O seu sexo me conduzia às profundezas das trevas, a noite escura parecia nos abraçar. E por um instante esqueci que naquela mesma noite iria perder o meu templo de perdição. Somente aquele corpo me saciava. Como uma fera voraz, que dilacera a sua presa, eu loucamente sugava todo prazer que ele poderia me proporcionar. Quem, melhor que o meu pai, para me entregar por completa em suas prazerosas mãos?
No ápice das trevas do nosso amor, senti a lâmina penetrando lentamente o meu ventre. Sabendo que nunca mais estaria nos braços de meu pai. Serrei os dentes ferozmente em seus lábios, na intenção de sentir o sabor do seu sangue, assim como ele sentia o meu. Tudo se tornou a mais romântica escuridão, Satã estava a minha espera.

...

Sou um homem e um pai totalmente infeliz, pois presenteei o mundo com a maior beleza que poderia ser criada, a mulher mais bela que os meus olhos já conseguiram enxergar e objeto de desejos de muitos cavalheiros. Ela deve ser minha, só minha, eu que a criei e, por isso, sou seu dono. A sua mãe nunca foi capaz de se comparar a tamanha beleza. Sua pele branca como a cera que goteja das velas de funerais, seus cabelos negros como as noites sem estrelas, seu olhar sedutor que me fazia desejar a morte do que ser engolido pelas profundezas da sua alma. Os laços de sangue nos faziam desejar mais um ao outro, a semelhança em nossos traços nos atraía a conhecer as partes mais ocultas de nossos corpos nus. Eu desejava aquela mulher vestida de mistérios que jamais consegui desvendar. Não sabia se estava ficando louco ou era um delicioso pecado que, aos poucos, me dilacerava por dentro.
Na infância, sempre fomos muito próximos. Ela sempre me preferia em vez da mãe. Eu era uma espécie de príncipe das sombras para ela. Nunca achei estranha tal aproximação. Pelo contrário, o amor que sentia pela minha pequena filha apenas ia preenchendo o meu coração. Já com alguns anos de idade, em sua adolescência, ela se tornou uma criatura fria e sedutora, sabia usar seu corpo para seus interesses próprios, não resistia àquela tentação de Lúcifer. O meu desejo pela minha filha era enlouquecedor. Mas ela só desejava meu corpo e minhas carícias. Ela nunca me amou como um homem. Não queria acreditar que ela não sentia mais que meros desejos sexuais por mim. Eu a amava e queria ela toda para mim. Não era possível existir vida se não fosse para viver ao lado daquela alma sombria que eu mesmo criei. Deixei-me cair nas mãos de minha própria criação, pois não havia forças para lutar contra o desejo que pulsava em minhas veias.
Aos dezoito anos, ela foi prometida em casamento ao Duque da Genóvia, um jovem rico que estava oferecendo um dote pela mão da minha filha. Não tive outra chance a não ser aceitar e entregar o tesouro mais valioso que eu já tive em minha deprimente vida, pois estávamos falindo e não havia outra forma de salvar a família. No momento em que fechei negócio com o Duque, percebi que acabava de assinar a minha sentença de morte. Como eu poderia viver sem o prazer que a minha filha me fazia experimentar? Como eu iria viver sabendo que outro homem iria violar as partes mais excitantes e desconhecidas de seu corpo? Meus pensamentos me apunhalavam e me angustiavam aos poucos. Aquela mulher me pertencia. O seu corpo era somente meu. Os seus seios eram a porta do inferno que me levava a esquecer toda a tristeza. Eu sou o seu único dono e apenas eu poderia penetrar em seu corpo e me perder nas suas perigosas curvas.
Em um mês o casamento estava para acontecer. No dia do casamento, a minha única companhia era a bebida. Embriaguei-me de angústia e desilusão. O meu coração já não batia como antes, o ritmo ia se desfalecendo aos poucos. Mais me valia à morte do que viver sem aquilo que era vital para mim. Na valsa, senti que seria a última vez que teria domínio daquele demoníaco corpo. Cochichei em seu ouvido o meu desejo de penetrar pela última vez nas entranhas mais profundas do seu ser. Fomos para a biblioteca da mansão, onde, por um momento, me senti o noivo que iria alegrar aquela noiva. Embrenhei-me dentro do seu vestido e toquei nas partes do seu corpo que ainda me pertenciam. Meus lábios já conheciam todo o caminho a ser trilhado. Transamos como se fosse à última vez. O ciúme que me enfurecia por dentro se transformava em prazer. Novamente, aquela mulher me levou a loucura e, por um instante, fiquei inconsciente.
Avistei um vaso de rosas vermelhas como sangue, que estava em cima do grande piano no centro da biblioteca. Peguei uma rosa e a coloquei no meio dos seus belos seios. Acariciamos-nos. Dei-me conta de que o Duque já deveria estar à procura da minha filha, sua noiva, para partirem em lua de mel. Peguei um punhal, que sempre andava em minha cintura e em um golpe de amor e ódio, no meio do beijo frio, penetrei-o no ventre da minha filha. Ela me olhou, e ao sentir o golpe, mordeu meus lábios até sangrar. Tomado pelo ódio, pensei: “Se ela não pode ser apenas minha, não será de mais ninguém”.
 O sangue espalhado pelo vestido branco daquela filha de Satã, meu próprio sangue que estava realçando a aparência melancólica que ela possuía. O anseio de eternizar o nosso prazer me fez continuar a fazer amor com o cadáver de minha amada e bela filha. Não consegui parar. Logo em seguida, peguei as suas suaves mãos, juntas com as minhas, e acariciei meu corpo inteiro. Segurei novamente o punhal, e desta vez, desferi um golpe certeiro em meu coração. Foi a forma que encontrei para escapar da dor que a perda me traria. Quero permanecer para sempre com a minha amada. Que o inferno eternize o nosso amor.


Flavínia Menezes

Conto produzido a partir da letra da canção brega A última valsa, de Sidney Magal

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