
Não
resisti àquele convite que me parecia o último. Perdemos-nos em meio a tanta
sedução. O seu sexo me conduzia às profundezas das trevas, a noite escura
parecia nos abraçar. E por um instante esqueci que naquela mesma noite iria
perder o meu templo de perdição. Somente aquele corpo me saciava. Como uma fera
voraz, que dilacera a sua presa, eu loucamente sugava todo prazer que ele
poderia me proporcionar. Quem, melhor que o meu pai, para me entregar por
completa em suas prazerosas mãos?
No
ápice das trevas do nosso amor, senti a lâmina penetrando lentamente o meu
ventre. Sabendo que nunca mais estaria nos braços de meu pai. Serrei os dentes
ferozmente em seus lábios, na intenção de sentir o sabor do seu sangue, assim
como ele sentia o meu. Tudo se tornou a mais romântica escuridão, Satã estava a
minha espera.
...
Sou
um homem e um pai totalmente infeliz, pois presenteei o mundo com a maior
beleza que poderia ser criada, a mulher mais bela que os meus olhos já
conseguiram enxergar e objeto de desejos de muitos cavalheiros. Ela deve ser
minha, só minha, eu que a criei e, por isso, sou seu dono. A sua mãe nunca foi
capaz de se comparar a tamanha beleza. Sua pele branca como a cera que goteja
das velas de funerais, seus cabelos negros como as noites sem estrelas, seu
olhar sedutor que me fazia desejar a morte do que ser engolido pelas
profundezas da sua alma. Os laços de sangue nos faziam desejar mais um ao
outro, a semelhança em nossos traços nos atraía a conhecer as partes mais
ocultas de nossos corpos nus. Eu desejava aquela mulher vestida de mistérios
que jamais consegui desvendar. Não sabia se estava ficando louco ou era um
delicioso pecado que, aos poucos, me dilacerava por dentro.
Na
infância, sempre fomos muito próximos. Ela sempre me preferia em vez da mãe. Eu
era uma espécie de príncipe das sombras para ela. Nunca achei estranha tal
aproximação. Pelo contrário, o amor que sentia pela minha pequena filha apenas
ia preenchendo o meu coração. Já com alguns anos de idade, em sua adolescência,
ela se tornou uma criatura fria e sedutora, sabia usar seu corpo para seus
interesses próprios, não resistia àquela tentação de Lúcifer. O meu desejo pela
minha filha era enlouquecedor. Mas ela só desejava meu corpo e minhas carícias.
Ela nunca me amou como um homem. Não queria acreditar que ela não sentia mais
que meros desejos sexuais por mim. Eu a amava e queria ela toda para mim. Não
era possível existir vida se não fosse para viver ao lado daquela alma sombria
que eu mesmo criei. Deixei-me cair nas mãos de minha própria criação, pois não
havia forças para lutar contra o desejo que pulsava em minhas veias.
Aos dezoito
anos, ela foi prometida em casamento ao Duque da Genóvia, um jovem rico que
estava oferecendo um dote pela mão da minha filha. Não tive outra chance a não
ser aceitar e entregar o tesouro mais valioso que eu já tive em minha
deprimente vida, pois estávamos falindo e não havia outra forma de salvar a
família. No momento em que fechei negócio com o Duque, percebi que acabava de
assinar a minha sentença de morte. Como eu poderia viver sem o prazer que a minha
filha me fazia experimentar? Como eu iria viver sabendo que outro homem iria
violar as partes mais excitantes e desconhecidas de seu corpo? Meus pensamentos
me apunhalavam e me angustiavam aos poucos. Aquela mulher me pertencia. O seu
corpo era somente meu. Os seus seios eram a porta do inferno que me levava a
esquecer toda a tristeza. Eu sou o seu único dono e apenas eu poderia penetrar
em seu corpo e me perder nas suas perigosas curvas.
Em
um mês o casamento estava para acontecer. No dia do casamento, a minha única
companhia era a bebida. Embriaguei-me de angústia e desilusão. O meu coração já
não batia como antes, o ritmo ia se desfalecendo aos poucos. Mais me valia à morte
do que viver sem aquilo que era vital para mim. Na valsa, senti que seria a última
vez que teria domínio daquele demoníaco corpo. Cochichei em seu ouvido o meu
desejo de penetrar pela última vez nas entranhas mais profundas do seu ser.
Fomos para a biblioteca da mansão, onde, por um momento, me senti o noivo que
iria alegrar aquela noiva. Embrenhei-me dentro do seu vestido e toquei nas
partes do seu corpo que ainda me pertenciam. Meus lábios já conheciam todo o
caminho a ser trilhado. Transamos como se fosse à última vez. O ciúme que me enfurecia
por dentro se transformava em prazer. Novamente, aquela mulher me levou a
loucura e, por um instante, fiquei inconsciente.
Avistei
um vaso de rosas vermelhas como sangue, que estava em cima do grande piano no
centro da biblioteca. Peguei uma rosa e a coloquei no meio dos seus belos
seios. Acariciamos-nos. Dei-me conta de que o Duque já deveria estar à procura
da minha filha, sua noiva, para partirem em lua de mel. Peguei um punhal, que
sempre andava em minha cintura e em um golpe de amor e ódio, no meio do beijo
frio, penetrei-o no ventre da minha filha. Ela me olhou, e ao sentir o golpe,
mordeu meus lábios até sangrar. Tomado pelo ódio, pensei: “Se ela não pode ser
apenas minha, não será de mais ninguém”.
O sangue espalhado pelo vestido branco daquela
filha de Satã, meu próprio sangue que estava realçando a aparência melancólica
que ela possuía. O anseio de eternizar o nosso prazer me fez continuar a fazer
amor com o cadáver de minha amada e bela filha. Não consegui parar. Logo em
seguida, peguei as suas suaves mãos, juntas com as minhas, e acariciei meu
corpo inteiro. Segurei novamente o punhal, e desta vez, desferi um golpe
certeiro em meu coração. Foi a forma que encontrei para escapar da dor que a perda
me traria. Quero permanecer para sempre com a minha amada. Que o inferno
eternize o nosso amor.
Flavínia Menezes
Conto produzido a partir da letra da canção brega A última valsa, de Sidney Magal
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