Lembro-me com muita saudade
de tudo. Parece que foi ontem. Era uma noite de sábado, a lua estava linda, as
pessoas pareciam alegres, o clima estava agradável. Lembro-me de que tinha os
cabelos castanhos e os olhos negros, era um pouco forte e gostava de andar
sempre arrumado. Costumavam me chamar de raposa, por ser um rapaz muito
namorador. Gostava de me divertir com
muitas moças. Recordo-me de que estava muito ansioso à espera que o bailinho
que acontecia toda semana começasse logo. Ora, muitos brotinhos estariam
presentes na festa, não iria perder jamais tal oportunidade. O bailinho
acontecia em um clube que ficava próximo à praça. Ao lado, havia um barzinho que
lotava de gente após o término da festa. Já havia passado das nove horas, todos
aguardavam o início do evento. O clube já era velho, mas isso não importava. O que
todos queriam mesmo era se divertir e esquecer dos problemas da vida.
O bailinho começa. Pessoas de diferentes
estilos marcavam presença. Muitas moças bonitas dançavam felizes ao som da
orquestra. Ah, que noite fantástica foi aquela, não só por ter dançado com
muitas mocinhas, mas também por ter sido um dos dias mais importantes da minha
vida. Quando a orquestra começou a tocar “Besame Mucho”, uma linda morena me
chamou atenção. Ela era fantástica, tinha os olhos verdes e o sorriso
encantador. Foi também seu jeito meigo que logo me conquistou. Pela primeira
vez na vida, senti algo diferente dentro de mim. Era um sentimento muito bom
que me trazia nervosismo e, ao mesmo tempo, paz. Senti meu coração bater muito
forte. Logo ali, tive a certeza de que ela era o amor da minha vida. Sem saber
direito o que dizer, dirigi a palavra:
- Boa noite, senhorita!
Ela me olhou fixamente por alguns segundos
e respondeu:
- Boa noite!
Confesso que estava muito nervoso. Jamais
havia sentido tão nobre sentimento por outra pessoa. Então, fiz um convite:
- Quer dançar comigo?
- Sim, vamos! – respondeu ela.
Enquanto dançávamos ao som da orquestra, conversamos:
- És uma moça encantadora! Como te chamas?
- Sou Madalena!
- Me chamo Paulo!
- Muito prazer!
- O prazer é todo meu!
Dançamos até o fim da festa. Conversamos
muito. Lembro-me que ela usava um vestido rodado e seu cabelo estava com laquê.
Seus olhos, que eram a mistura de tudo que há de mais bonito no mundo,
brilhavam mais que o sol.
Ao sairmos do baile, fomos ao barzinho. Ela
me contou um pouco de sua vida. Fiz o mesmo. Depois de algum tempo conversando,
fomos para casa, mas antes marcamos de nos encontrarmos novamente no baile da
semana seguinte.
A felicidade reinava dentro de mim. Estava
simplesmente apaixonado. Logo eu, que nunca fui homem de uma mulher só.
Passei a semana inteira aguardando
ansiosamente pelo nosso novo encontro. Finalmente chega o sábado. Dançamos durante
toda a festa. Em seguida, fomos ao barzinho. Tudo como na semana anterior, mas
naquele dia fui deixá-la em sua casa. Ao chegarmos lá, em frente ao portão, um
beijo, um abraço, minha mão, sua mão.
Toda semana era sempre a mesma coisa.
Dançávamos no baile ao som da orquestra, em seguida íamos ao barzinho, e depois
eu ia a deixar em casa. Ela era uma moça muito bonita, usava o perfume
“Chanel”. Eu estava completamente atraído por aquela mulher. Ela me jurava
coisas bonitas, dizia que me amava. Eu fazia sempre o mesmo, retribuía todo o
amor e carinho em dobro. Eu me sentia como a raposa atraído pelas uvas, assim
como acontecia em uma fábula. Gostava sempre de fazer essa comparação. Madalena
era uma moça doce, assim como as uvas; e eu era a raposa, que não conseguia
esconder meu desejo. Outra coisa que me fazia gostar dessa comparação era o
fato de antes ser um rapaz muito namorador.
Certo dia, decidi falar com o pai dela para
pedi-la em namoro, já que ele me conhecia de todas as vezes que ia deixar sua
filha em casa. Ao término do bailinho, fomos caminhando até a casa dela. O seu
sorriso estava mais encantador que nunca. Seus olhos brilhavam mais que o sol
radiante do meio-dia. Quando chegamos, falei educadamente com Seu Antônio, pai
de minha amada, e pedi permissão para namora-la. A resposta que obtive dele foi
melhor que eu esperava:
- Ora, rapaz! Filha minha não namora. Filha
minha casa!
Naquele momento, tudo o que me veio na
cabeça foi pedi-la em casamento:
- Madalena, meu amor! Você aceita casar
comigo?
Vi os olhos de minha amada cheios de
lágrimas. Seu Antônio também parecia muito feliz. Acho também que não
aconteceria o contrário. Ele soube naquele momento que minhas intenções com a
filha dele eram mais que sérias.
- É claro que eu aceito! – respondeu
Madalena, muito emocionada.
Acho que nunca havia ficado tão feliz
quanto naquele momento. Minha morena era tudo pra mim. Foi ela que fez com que
a raposa se atraísse pelas uvas. Ela mudou completamente a minha vida. Me
libertou da vida de namorador barato que eu levava. Eu nunca havia sentido
antes tanto amor e desejo por uma mulher.
Depois de alguns meses, nos casamos. Foi
tudo perfeito: nossa festa, nossa lua de mel. Aquele tempo foi o melhor de toda
a minha vida. Passamos vinte anos casados. Tivemos quatro lindos filhos.
Vivemos muito felizes durante todo esse tempo.
Certo dia, quando estávamos caminhando
durante o crepúsculo, algo terrível aconteceu: uma bala perdida atingiu
Madalena. Meu mundo acabou ali, nunca me vi tão perdido quanto naquele momento.
Uma dor terrível apertou meu coração. Minha amada estava caída no chão. O
sangue se espalhava pela calçada. Dei apenas um alto e desesperado grito:
-NÃO!
Madalena estava morta. Naquele momento,
entrei em êxtase. Passei muito mal. Não podia acreditar que minha amada estava
morta. Pensei em várias coisas naquele momento: suicídio, vingança. Mas
felizmente o amor por meus filhos falou mais alto. No dia seguinte, a
enterramos. Foi o dia mais triste de toda a minha vida. Só o que me fazia
acreditar que tudo aquilo um dia iria passar era os meus filhos. Frutos do
nosso amor, presentes da nossa linda história.
Hoje, completaríamos cinquenta anos de
casados. Sei que ela se foi há muito tempo, mas nunca a esquecerei. Afinal, foi
ela que mudou minha vida, foi ela que me ensinou o que é o amor verdadeiro, por
isso estará sempre guardada em meu coração.
“Lembro com muita saudade daquele bailinho,
onde a gente dançava bem agarradinho, onde a gente ia mesmo é pra se abraçar.”
Lívia Campos
Conto produzido a partir da letra da canção brega A raposa e as uvas, de Reginaldo Rossi.