É a do dia. O gosto amargo
da preferida. Tão gostosa, me seduzia. Ei, rapaz! Vem cá! Traz mais uma
garrafa. Da mais forte que tiver, por favor. Eu espero. Minha boca já secou.
Quantos minutos já passaram? VAMOS, MEU SENHOR! Estou a esperar. Essa maravilha
chegar. Já sinto um mal-estar. Lá vem ele, resmungando: “Só se passaram dois
minutos!”. O cara da outra mesa só ri e o tempo todo só faz repetir: “Só podia
ser esse bêbado nojento”. De quem será que esse cara está falando? De mim não
pode ser. A pinga é minha amiga. Melhor amiga. Bêbado eu não sou. Nunca fui.
Qual o problema de beber? Todo mundo bebe. O (A) presidente bebe. O juiz bebe.
Até o papa bebe! Qual o problema afinal? Vocês não conseguem entender. Com
vocês não deve acontecer. Só de sentir o cheiro já me vem o desejo. Isso desde
que minha mãe morreu. E aí, aconteceu. Minha vida acabou. Tudo desmoronou. Meu
céu despencou. O chão não me segurou. Eu perdi minha mãe. E a bebida, minha
amiga, me ajudou. Katharina não entendeu. Me largou, me esqueceu. Foram só
algumas vezes. Eu juro. Algumas noites ébrio. E ela me largou. Nem o número de
telefone deixou. Nem o endereço novo me falou. Nunca mais soube dela. Oito anos
de casados. E tudo acabou. Só por causa da pinga. Só ela me ajudou. O luto
ficou. A dor das perdas não acabou. Só a pinga me abraçou. Nem perguntou quem
eu sou. Nem mesmo Katharina fez isso! Por que ela me abandonou? Bem, pouco
importa. A amizade com a pinga continuou. Há meses só me animou. Me levou para
bares e me enturmou. Uma, duas, sete mulheres em uma noite ela me arrumou. Pra
que Katharina na minha vida, se tenho mulheres, bebida e alegria a meu favor?
Mais uma garrafa voou. E a
noite mal começou. GARÇOM! GARÇOM! Pelo amor de Deus. Traz mais duas, por
favor. Ele me olhou. Revirou os olhos e foi em direção ao gerente. Que tipo de
bar é esse? Demora séculos para nos trazer nosso amor. O gerente me puxou. Para
a saída me levou.
- Olhe aqui, seu bêbado
inútil! Você já está por aqui de dividas comigo! Vá para onde meu olho não
possa te ver, senão a porrada vai comer!
Ele me jogou. A calçada me
segurou. Filho da puta! Você vai se arrepender! Se Katharina estivesse aqui,
não deixaria acontecer. Vou-me embora. Em casa deve ter mais amigas para me
alegrar. Foi difícil chegar no carro. Foi difícil até ligar. Aquele diabo vai
pagar! Uma vergonha dessas nunca mais irei passar. Que humilhação. Eu só queria
me distrair. Até isso querem tirar de mim. Minha boca voltou a secar. O carro
não para de acelerar e faróis vermelhos ultrapassar. ESPERA AÍ! Não pode ser.
Deus não faria isso comigo, ou faria? Aquela é Katharina? Na esquina? E quem
diabos é aquele cara? E ele também tem uma amiga. Ele está com minha
Katharina! Isso não vou tolerar. Antes
de tomar qualquer atitude, escutei um barulho assustador. Imediatamente a luz
apagou. Senti meu corpo no ar e depois uma batida grandiosa no chão. Será que
Katharina viu? Será que se importou? Dessa vez, nem a pinga comigo ficou. Agora
só via uma luz muito forte, que tomou conta da minha visão. Nunca mais apagou.
Yasmin Souza
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