sábado, 16 de julho de 2016

Deficiência pública

           Isso é um descaso! Espero duas horas numa parada de ônibus descoberta e abandonada. Absurdo. Ainda tem os motoristas safados. Não param. Seguem viagem. Paciência. Coisa que eu não tenho. Meu ônibus chega. O motorista desce. Me coloca no elevador. Ele emperra. Meu Deus. Agora mais essa. O motorista tenta, mas nada acontece. Começam a reclamar: “Esse aleijado tá atrasando a viagem”. ” Anda logo, motorista”. Isso é uma vergonha, respondo. Pago altíssimos impostos. Tenho meus direitos, sim. E continuam: ”Deficiente é uma praga”. Sociedade do desprezo. Algumas pessoas tentam ajudar o motorista. Nada conseguem. Mais lentidão. Eles resolvem me tirar da cadeira. Me colocam no ônibus. A cadeira vem junto, resmungo. Resolvido. Vamos seguir viagem, penso. Porém o ônibus não fecha a porta. Nem sobe, nem desce. Todos me encaram. Recebo “elogios e carinhos” a todo momento. Tenho o direito de ir e vir. De fazer ou refazer o que bem entender. Sou cadeirante. Tenho minhas dificuldades. É verdade. Desce mais um. Provavelmente, com nojo ou revoltado. Por que sou cadeirante? Ou por que sou gay? Sim. Sou gay. Homossexual. Falem o que quiser! Nada me interessa. Só ele. O Rodrigão. Negro. Alto. Boca carnuda. E só meu! Ai meu coração! Somos casados há três anos.
           Esse tumulto me faz lembrar de ontem. No supermercado. Quando fomos fazer umas comprinhas. Eu e o Rodrigão. Ele estacionou o carro. Me colocou na cadeira. Vimos um delegado. Bem vestido. Estacionou na vaga preferencial. Na minha vaga! Fomos falar com ele. Perguntamos o porquê de estacionar ali. Estaciono onde quero, ele falou. Mas é para pessoas com deficiência, expliquei. Ele sacou a arma. Nos ameaçou. Disse que era um desacato. Falou para irmos embora. Ou resolveria como nos velhos tempos. Na bala. E fomos para outra loja. Fiquei bastante perplexo com aquele acontecimento. Pensando bem, não sou eu o deficiente. São todos que me ignoram. Desprezam pessoas que só querem viver. Simples. Precisamos de mais respeito. De menos condolência. Chego na minha parada.

Cláudio Silva

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