Isso é um descaso! Espero duas horas numa parada de
ônibus descoberta e abandonada. Absurdo. Ainda tem os motoristas safados. Não
param. Seguem viagem. Paciência. Coisa que eu não tenho. Meu ônibus chega. O
motorista desce. Me coloca no elevador. Ele emperra. Meu Deus. Agora mais essa.
O motorista tenta, mas nada acontece. Começam a reclamar: “Esse aleijado tá
atrasando a viagem”. ” Anda logo, motorista”. Isso é uma vergonha, respondo.
Pago altíssimos impostos. Tenho meus direitos, sim. E continuam: ”Deficiente é
uma praga”. Sociedade do desprezo. Algumas pessoas tentam ajudar o motorista.
Nada conseguem. Mais lentidão. Eles resolvem me tirar da cadeira. Me colocam no
ônibus. A cadeira vem junto, resmungo. Resolvido. Vamos seguir viagem, penso.
Porém o ônibus não fecha a porta. Nem sobe, nem desce. Todos me encaram. Recebo
“elogios e carinhos” a todo momento. Tenho o direito de ir e vir. De fazer ou
refazer o que bem entender. Sou cadeirante. Tenho minhas dificuldades. É
verdade. Desce mais um. Provavelmente, com nojo ou revoltado. Por que sou
cadeirante? Ou por que sou gay? Sim. Sou gay. Homossexual. Falem o que quiser! Nada
me interessa. Só ele. O Rodrigão. Negro. Alto. Boca carnuda. E só meu! Ai meu
coração! Somos casados há três anos.
Esse tumulto me faz lembrar de ontem. No
supermercado. Quando fomos fazer umas comprinhas. Eu e o Rodrigão. Ele
estacionou o carro. Me colocou na cadeira. Vimos um delegado. Bem vestido.
Estacionou na vaga preferencial. Na minha vaga! Fomos falar com ele.
Perguntamos o porquê de estacionar ali. Estaciono onde quero, ele falou. Mas é
para pessoas com deficiência, expliquei. Ele sacou a arma. Nos ameaçou. Disse
que era um desacato. Falou para irmos embora. Ou resolveria como nos velhos
tempos. Na bala. E fomos para outra loja. Fiquei bastante perplexo com aquele
acontecimento. Pensando bem, não sou eu o deficiente. São todos que me ignoram.
Desprezam pessoas que só querem viver. Simples. Precisamos de mais respeito. De
menos condolência. Chego na minha parada.
Cláudio Silva
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