segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

SAUDADES


Então, de repente eu vejo, no fim da areia, no início do mar, dois olhares, dois sorrisos, duas gargalhadas em meio às águas nítidas e transparentes, que produzem belas formas ao se chocarem. Duas pessoas se divertindo. Estavam felizes.
Quando eu ainda morava em Caraúbas, costumava andar na companhia de um rapaz que havia conhecido na escola. Na verdade, no maternal. Ele era o papel, eu era a caneta.
Durante a festa anual de Ano Novo, sempre dançávamos até o amanhecer, das 19 da noite às 05 da manhã. Ele sempre ia com a mesma roupa. Camisa vermelha e calça quadriculada era a farda dele. Para não ficar por baixo, eu sempre usava minha saia, também quadriculada. Mas não usava somente blusa vermelha, pois só tinha uma. Usava três blusas, durante os dez dias de festa: a vermelha com detalhes roxos, que minha mãe sempre dizia que não combinava, pois, além de as cores serem muito diferentes, ficaria uma péssima combinação: a blusa com estampa listrada e uma saia quadriculada; a vermelha, que tinha um rasgo bem no lugar da axila; a vermelha com verde, que só usava quando as outras duas estavam com mau cheiro, pois sempre diziam que “a blusa era do período natalino”, verde com vermelho com uma imagem de uma menina dizendo: seja bem-vindo, panetone.
Como dá para perceber, eu gostava de ser o espelho dele. Tudo que ele fazia, eu também fazia. Era como um irmão mais velho para mim. E ele também cuidava de mim. Uma vez, nadando em um lago com ele, estava eu com vontade de ir para o fundo. Mesmo sabendo que iria ser mais legal, ele me disse para não ir, pois eu não tinha tamanho  suficiente. Eu o obedeci, como sempre. Ele era meu irmão primogênito. Tínhamos a mesma idade. Nossas melhores gargalhadas eram dadas no fim da areia, no início do lago. Como as águas não possuíam movimento algum, por si só, nós ficávamos fazendo ondas só para ver a belíssima forma que o lago ia produzir.
Essa nossa melhor fase acontecera quando ele tinha um metro e setenta e três, e eu, um e sessenta. Era nosso décimo segundo ano de vida. Ele havia completado em abril, dia 8, e eu em abril também, só que no dia 17. Nós éramos diferentes em 13 centímetros e 9 dias.
Agora ele está no Rio de Janeiro. Fez uma prova e passou. Estuda em uma escola chamada SESC. Eu não fiz a prova de lá, mas fiz uma de uma escola mais próxima a mim, a do IFRN. Minha mãe e o velho não deixariam eu estudar longe. Mas, mesmo assim, me mudei. Vim para a Cidade do Sol, como dizem. Certamente quem criou esse nome, esse falso adágio, nunca visitou minha antiga cidade ou, ao menos, a cidade vizinha, Mossoró. Nelas, é só você viajar por mais um metro e chega ao sol. Nelas, o preparo do café é imediato, pois a água já vem fervida, só o que falta é pó e açúcar. Meu amigo sempre dizia essas coisas.
Vejo, na praia onde estou, a menina menor querendo ir para o fundo do mar. Não a deixe ir. Meu amigo não me deixaria. A mais alta, ao perceber a profundidade, disse para ela voltar:
- Você não tem tamanho  suficiente!
Elas ostentavam maiôs vermelhos e iguais. Eram idênticas, com exceção do tamanho, pois uma tinha, mais ou menos, 13 centímetros acima da menor. Nenhuma das duas deve fazer a prova do SESC. A mais bela das amizades é aquela que vive para sempre, que é imorredoura. A minha é perpétua em minhas recordações. 

Alice Xavier

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