
Quando eu ainda morava em Caraúbas, costumava andar na
companhia de um rapaz que havia conhecido na escola. Na verdade, no maternal.
Ele era o papel, eu era a caneta.
Durante a festa anual de Ano Novo, sempre dançávamos até
o amanhecer, das 19 da noite às 05 da manhã. Ele sempre ia com a mesma roupa.
Camisa vermelha e calça quadriculada era a farda dele. Para não ficar por
baixo, eu sempre usava minha saia, também quadriculada. Mas não usava somente
blusa vermelha, pois só tinha uma. Usava três blusas, durante os dez dias de
festa: a vermelha com detalhes roxos, que minha mãe sempre dizia que não
combinava, pois, além de as cores serem muito diferentes, ficaria uma péssima
combinação: a blusa com estampa listrada e uma saia quadriculada; a vermelha,
que tinha um rasgo bem no lugar da axila; a vermelha com verde, que só usava
quando as outras duas estavam com mau cheiro, pois sempre diziam que “a blusa
era do período natalino”, verde com vermelho com uma imagem de uma menina
dizendo: seja bem-vindo, panetone.
Como dá para perceber, eu gostava de ser o espelho dele.
Tudo que ele fazia, eu também fazia. Era como um irmão mais velho para mim. E
ele também cuidava de mim. Uma vez, nadando em um lago com ele, estava eu com
vontade de ir para o fundo. Mesmo sabendo que iria ser mais legal, ele me disse para não ir, pois eu não tinha tamanho suficiente. Eu o obedeci, como sempre.
Ele era meu irmão primogênito. Tínhamos a mesma idade. Nossas melhores
gargalhadas eram dadas no fim da areia, no início do lago. Como as águas não possuíam
movimento algum, por si só, nós ficávamos fazendo ondas só para ver a belíssima
forma que o lago ia produzir.
Essa nossa melhor fase acontecera quando ele tinha um
metro e setenta e três, e eu, um e sessenta. Era nosso décimo segundo ano de vida.
Ele havia completado em abril, dia 8, e eu em abril também, só que no dia 17.
Nós éramos diferentes em 13 centímetros e 9 dias.
Agora ele está no Rio de Janeiro. Fez uma prova e passou.
Estuda em uma escola chamada SESC. Eu não fiz a prova de lá, mas fiz uma de uma
escola mais próxima a mim, a do IFRN. Minha mãe e o velho não deixariam eu
estudar longe. Mas, mesmo assim, me mudei. Vim para a Cidade do Sol, como
dizem. Certamente quem criou esse nome, esse falso adágio, nunca visitou minha
antiga cidade ou, ao menos, a cidade vizinha, Mossoró. Nelas, é só você viajar
por mais um metro e chega ao sol. Nelas, o preparo do café é imediato, pois a
água já vem fervida, só o que falta é pó e açúcar. Meu amigo sempre dizia essas
coisas.
Vejo, na praia onde estou, a menina menor querendo ir
para o fundo do mar. Não a deixe ir. Meu amigo não me deixaria. A mais alta, ao
perceber a profundidade, disse para ela voltar:
- Você não tem tamanho suficiente!
Elas ostentavam maiôs vermelhos e iguais. Eram idênticas,
com exceção do tamanho, pois uma tinha, mais ou menos, 13 centímetros acima da
menor. Nenhuma das duas deve fazer a prova do SESC. A mais bela das amizades é
aquela que vive para sempre, que é imorredoura. A minha é perpétua em minhas
recordações.
Alice Xavier
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