quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Medo



Medo é uma desgraça! Por que diabos sentimos medo? É contagioso! Não entendo porque dizem que compartilhar os medos pode trazer benefícios. Comigo sempre foi totalmente o contrário. Às vezes até faz o outro se sentir pior. Conheço pessoas que, se ouvirem sobre uma possibilidade de um meteorito cair sobre a terra, ficarão o resto do dia vigiando o céu a cada meio minuto.
Foi assim, em agosto do ano passado, espremido entre as poltronas do avião. Procurava me ajeitar no espaço reduzido para cochilar tranquilamente, quando o sujeitinho do lado pronunciou a bendita frase:
– Essa droga vai cair, irmão! Vai cair!
Um homem-bomba? Ai, meu Deus! Olhei de lado e vi que o miserável estava se borrando de medo. Percebendo logo que não era um suicida e me tranquilizando, perguntei:
– Primeira vez?
– Tô mais preocupado se vai ser a última.
Tentei sorrir para confortá-lo:
– Cara, relaxa... Viajar de avião é mais seguro que andar de carro ou a pé, acredite.
– Ah é? Caiu um na semana passada, você viu?
– Sim. Dos mais de 500 mil que levantaram voo naquele dia – Chutei uma estatística irreal para tranquilizá-lo, mas...
– De que adianta 499.999 chegarem ao destino, se o MEU resolver cair?
Eu dei uma risada maligna e completei:
– Ei, não seja egoísta. Não é seu, é NOSSO avião. Se você se esborrachar, eu vou junto, parceiro!
Ri novamente, mas ele não achou graça nenhuma. Ficou me olhando com uma expressão reprovadora pela piada fora de hora – maldito senso de humor – e o que me restou foi ficar com aquela cara de bunda. Tratei de voltar logo ao campo da conversa séria:
– Escute, meu velho: procure respirar fundo e mantenha a mente em coisas positivas. Você é casado?
– Quer saber se vou deixar viúva?
– Ei, mano, não exagere! Escute: é normal sentir medo. Você precisa apenas controlá-lo. Feche os olhos e…
– Fechar os olhos? Só falta me pedir pra dormir.
– Nem seria uma má ideia (afinal, eu também queria dormir...).
– Sabia que a dor é maior quando você sofre um impacto enquanto está dormindo?
– Não. Fiquei sabendo dessa agora.
– Quando você está acordado, e sofre uma lesão, você contrai os músculos, e isso minimiza a dor. Dormindo, além do susto, você está com os músculos relaxados e isso intensifica o sofrimento. Se for pra me esfarelar lá embaixo, quero estar de olhos bem abertos.
– Mas, se você virar pedaços enquanto está dormindo, nem dará tempo de sentir dor.
Ele se inclinou pro meu lado e sussurrou, como se estivesse contando um segredo, a voz tenebrosa dizia:
– O cérebro continua enviando sinais de dor por alguns segundos. Você sofre como um porco sendo esquartejado por um machado, uma galinha sendo depenada e depois decepada...
– Onde você ouviu isso?
– Um programa lá sobre essas coisas de cérebro e tals... Tinha um médico dessas coisas lá falando isso.
De repente, perdi a vontade dormir.
Instantes depois, ele continuou:
– Olha como ele balança.
– É normal, apenas mais uma turbulência.
– Mas tá balançando demais. Isso não é normal!
– Será?
– Eu vi uma pesquisa, não sei onde, dum cara que falou, não sei dizer por que, que quando balança e cai. E o cara era especialista.
– Especialista em…?
– Ah, nesses troços de avião.
– Era mesmo?
 Tinha PhD e tudo.
– Putz...
Foram os 20 minutos mais longos da minha humilde vida até que, para meu alívio e sobrevivência de todos, o avião pousou sem problemas. Na saída, o coroa atormentado ainda arrematou:
– É, dessa vez escapamos.  – E, pela primeira vez, em nosso desagradável encontro, sorriu.
E eu sério como um búfalo.
O psicótico deve ter ido pegar um táxi, pela expressão de alívio. Quanto a mim, ainda tinha que pegar uma conexão. E as palavras do cidadão me acompanhavam.
Na outra aeronave, já acomodado, não estava com sono, nem com vontade de ler, ou qualquer outra coisa para entretenimento. Assim que levantamos voo, olhei para um tranquilo senhor, sentado ao meu lado. Percebendo que eu não estava lá muito bem, ele me perguntou:
– Está com algum problema, meu jovem?
Após engolir em seco, arrematei:
– Não sei não, senhor. Mas acho que essa droga vai cair...

Ulisses Morais - dezembro 2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário