terça-feira, 2 de agosto de 2016

Massa?

             Ser ou não ser um maconheiro? Eu não tenho essa opção. Desde a minha infância vivi na favela. Isso mesmo. Lá no Mosquito. Nunca me deram oportunidade. Nem de aprender, muito menos de sobreviver. Lá eu sempre fui aviãozinho. Um moleque à procura de comida. Em um país onde dizem que educação é prioridade. Eu não sou prioridade. Me acostumei. Conheci a erva. Nela achei paz. Assim segui em frente. Sem nunca olhar para trás.
            Hoje, algumas pessoas vêm me perturbar. Querem me ajudar. Moço, você precisa de ajuda? Caramba! Eu não preciso de ajuda. E isso não é uma desculpa! Por que precisaria? Vivo de boa. Sorrindo à toa. Sempre consigo comprar comida. Fumar minha massa. Vou querer mais o quê?
            Todo mundo acha que sou fora da lei. Só porque a minha massa é proibida? Dizem que é bom. Dizem que não presta. Não querem discutir. Alguns querem liberar. Mal eles sabem que o meu fumo faz um bem danado. Relaxa, acalma. Faz levitar a alma.
            Eu sou maresia. Como dizia Gabriel Pensador. Só que havia uma velha. Infelizmente, ela morava na mesma rua que eu. Católica roxa. Sempre estragava a minha lombra. Com o seu discurso de amor ao próximo. Queria me levar para uma casa de recuperação. Ela é que precisa se recuperar da sua noia. E me deixar em paz de uma vez por todas.
            Essa lazarenta ficou me abusando. Dia após dia. No final de semana, eu estava relaxando no quintal de casa. Preparei o reggae. A massa estava pronta. Comecei a viajar no aroma da paz. E adivinha quem apareceu? Não foi o Bob Marley. Muito menos um unicórnio cor de rosa. Eu tentei ver quem vinha. Minha vista estava um pouco embaçada. Meu Deus! É o Satanás! Antes fosse... Era a infeliz da velha coroca de novo. Ela me veio oferecendo um terço. Enfie esse terço no... bolso.
- Por que você não vai à minha igreja? Lá vamos te ajudar. Deus é maravilhoso.
- Se quisesse ajuda, teria pedido, não?
Sem querer, aumentei o tom de voz.
- Eu não quero a sua ajuda e de mais ninguém!
E lhe dei um empurrão. A condenada caiu. Bateu a cabeça. No chão. Deu merda. Matei a coitada. A vizinha viu tudo. Logo, chamou a polícia. Fui preso e indiciado por homicídio doloso e tráfico de drogas. Os “home” acharam vinte quilos de maconha lá em casa. Era só pro consumo. Não teve jeito. Fui em cana.
No caminho da delegacia, presenciei um acidente. Uma jovem que bebeu demais atropelou os noivos e o padre na porta da igreja. Veio logo a indignação. O álcool mata tanta gente... E esse caso foi mais um na estatística. O tabaco continua viciando pessoas. Causando câncer. Já viu alguém causar um acidente por causa da erva? Já viu o marido bater na sua esposa por causa dela? Eu nunca vi. Mas por causa dessas outras drogas sim. Quando será que o povo vai enxergar isso? Mas o meu fuminho não pode. “Ele é do mal”. Sistema hipócrita.
Chegando na prisão, eu conheci os criminosos de verdade. Entravam e saíam cada vez mais perigosos pra sociedade.
Um mês na cadeia. Notei algo estranho. Alguns presos estavam se suicidando. Era a notícia que rolava. Será? Todo mês apareciam novos casos. O diretor dizia que era normal. Deu até no Jornal Nacional. Veio uma equipe de reportagem. Gravou toda a situação. Os presos todos amontoados. No chão. Mas o que eu posso fazer? Já estou nessa prisão. Todo dia me vem a revolta. Até quando vou ficar nessa bosta? Quando eu precisei, ninguém quis me ajudar. Mas quando estive de boa, esses hipócritas vieram me atrapalhar. Só me resta esperar. Ansioso. Ao mesmo tempo temeroso. Sempre preso na mesma indagação. Quando chegará a minha libertação?

Adriano Rodrigo

            

domingo, 17 de julho de 2016

Posto de doença

Cheguei aqui de seis horas e nada de ser atendida. Só vejo pessoas chegando. Cadê? Onde estão os médicos? Não posso passar o dia aqui. Minha filha está morrendo de febre. A s dores não param. Foi aquele mosquito maldito. Mosquito não, mosquita. Necessito falar com alguém.
 - Ei, enfermeira. É, você mesma. Não vê? Estou aqui há séculos. Não só eu. Não vê que a dezenas de pessoas aqui? Temos que ser atendidas. É nosso direito.
            - Minha senhora, eu não posso fazer nada. Aqui no parque das dunas não tem um bom atendimento. Tem que esperar. Tenha paciência. Deixe a gente trabalhar.
         Não vou mais ser da paz. Vou fazer uma revolução. Parar tudo e chamar a atenção. Vou fazer vir a polícia. A TV Cabugi vai nos gravar. Como pode uma coisa dessas? Eu pagar todos os meus impostos e não ser atendida?
            - Ei todos vocês. Não devemos aceitar esse descaso. Temos que ir à luta. Não podemos ficar esperando por algo que não chega. Devemos buscar! Buscar! Buscar! Até conseguir receber o que nos foi roubado. Como pode um deputado ganhar milhares? E tem aqueles que ainda roubam. Não milhares, milhões. E a área da saúde precisando de coisas simples. Esse dinheiro deveria estar nos hospitais; nos postos de saúde e em tantos outros lugares importantes.
            - Senhora, pare, por favor. A sua filha terá que ir a uma unidade de saúde. Não temos suporte médico que possa atendê-la. O transporte está chagando.
            Mais uma vez terei que ir a outro lugar. Quantas vezes isso aconteceu? Não sei. Foram muitas.
            - Vejam o que estão fazendo. Nos fazem vir aqui. E aí? Você foi atendido? Mais uma vez terei que me deslocar. Minha filha está morrendo. Parece que não somos nada. A gente só serve para os eleger. Minha filha precisa de um atendimento rápido. Estão vendo o seu estado em meus braços?

            - Senhora, o transporte chegou. Vamos.

Rickson Andrade

sábado, 16 de julho de 2016

Deficiência pública

           Isso é um descaso! Espero duas horas numa parada de ônibus descoberta e abandonada. Absurdo. Ainda tem os motoristas safados. Não param. Seguem viagem. Paciência. Coisa que eu não tenho. Meu ônibus chega. O motorista desce. Me coloca no elevador. Ele emperra. Meu Deus. Agora mais essa. O motorista tenta, mas nada acontece. Começam a reclamar: “Esse aleijado tá atrasando a viagem”. ” Anda logo, motorista”. Isso é uma vergonha, respondo. Pago altíssimos impostos. Tenho meus direitos, sim. E continuam: ”Deficiente é uma praga”. Sociedade do desprezo. Algumas pessoas tentam ajudar o motorista. Nada conseguem. Mais lentidão. Eles resolvem me tirar da cadeira. Me colocam no ônibus. A cadeira vem junto, resmungo. Resolvido. Vamos seguir viagem, penso. Porém o ônibus não fecha a porta. Nem sobe, nem desce. Todos me encaram. Recebo “elogios e carinhos” a todo momento. Tenho o direito de ir e vir. De fazer ou refazer o que bem entender. Sou cadeirante. Tenho minhas dificuldades. É verdade. Desce mais um. Provavelmente, com nojo ou revoltado. Por que sou cadeirante? Ou por que sou gay? Sim. Sou gay. Homossexual. Falem o que quiser! Nada me interessa. Só ele. O Rodrigão. Negro. Alto. Boca carnuda. E só meu! Ai meu coração! Somos casados há três anos.
           Esse tumulto me faz lembrar de ontem. No supermercado. Quando fomos fazer umas comprinhas. Eu e o Rodrigão. Ele estacionou o carro. Me colocou na cadeira. Vimos um delegado. Bem vestido. Estacionou na vaga preferencial. Na minha vaga! Fomos falar com ele. Perguntamos o porquê de estacionar ali. Estaciono onde quero, ele falou. Mas é para pessoas com deficiência, expliquei. Ele sacou a arma. Nos ameaçou. Disse que era um desacato. Falou para irmos embora. Ou resolveria como nos velhos tempos. Na bala. E fomos para outra loja. Fiquei bastante perplexo com aquele acontecimento. Pensando bem, não sou eu o deficiente. São todos que me ignoram. Desprezam pessoas que só querem viver. Simples. Precisamos de mais respeito. De menos condolência. Chego na minha parada.

Cláudio Silva

Moça, não sou obrigada a ser feminista

Frescura! É frescura sim. Um menino pode passar e você falar da bunda dele pra suas amigas. Mas se ele diz “Psiu!”, a senhora já vai pro Facebook protestar. Ah, me poupe! Deus me livre de uma feminista me ver falando isso. Elas dizem logo: “Se defende é porque gosta.” Ei, querida. Não gosto não. Nenhuma garota gosta. Mas, ao contrário de você, nós ignoramos. Não queremos chamar a atenção. Não nos fazemos de coitadinhas na internet.
Ontem, Juliana e Carol estavam lá em casa. Falando sobre esse papo de feminismo.
- Nós só queremos a igualdade de direitos. Queremos que nos parem de ver como coitadinhas. Não precisamos de um homem para nos defender. Somos tão fortes quanto eles. Podemos nos defender de qualquer coisa. Sozinhas. – disseram elas.
Ligo a TV. Está passando o caso do homem que entrou no quarto da Ana Hickmann. Tentou matá-la.
O suposto fã fez a apresentadora. O cunhado. Sua mulher de reféns. Obrigou os três a se sentarem de costas. Começou a insultá-los. O cunhado levantou-se. Foi em direção ao criminoso. As vitimas saíram correndo do apartamento. Gustavo, cunhado de Ana, entrou em luta corporal. Conseguiu desarmar o agressor.”
- Nossa! Mas que cara machista esse Gustavo. A Ana é que deveria ter entrado em luta corporal. Salvaria todos. – ironizei. E disse mais: Ninguém nunca fala sobre esse peso. Jogado nas costas do homem. O homem só tem privilégios!
Carol percebendo minha ironia, abriu logo o bocão:
- Pelo amor de Deus! Você não percebe que o machismo afeta a todos, inclusive aos homens? Eles têm sempre que ser heróis. Por isso, eu quero igualdade em tudo. E não privilégios. Quero ser respeitada pelo que sou. Pelo que faço. Não pelo que visto.
Não fiquei calada. Rebati:
- Igualdade? Somos seres diferentes. Homem e mulher. Feminismo só serve para quebrar a harmonia. Com falsas palavras cheias de glitter. Temos dois tipos de seres na nossa espécie. Somos diferentes. Temos responsabilidades diferentes. Temos deveres diferentes.
Mas ela não desiste de tentar me levar para o lado feminazi. Disse:
- Então, temos nossos deveres. Vamos cada um escolher os nossos. Não vamos deixar que digam do que somos e não somos capazes. Podemos fazer tudo.
Que menina insistente! Quando coloca uma coisa na cabeça, não tem quem tire. Mas para o azar dela, eu não sou fácil de ser convencida. Virar feminista? Jamais!
- Mulher, acorda! Então, se você pode fazer tudo, trate de se colocar no seu lugar.
Ela não hesitou em perguntar:
- E onde é o meu lugar?
Quis encerrar logo aquele mimimi. Eu já não aguentava mais. Então disse:
- Qualquer lugar. Longe de mim.
Acho que fui um pouco grossa. Carol percebeu. E, antes que a coisa ficasse pior, ela cortou o assunto. Mudou de canal. Levantei. Fui fazer pipoca. Quando voltei, estava passando em um desses canais de fofoca, fotos da primeira-dama do Brasil, Marcela Temer, ao lado do seu esposo Michel Temer.
- Eu acho engraçado como a vida sexual da Dilma parecia algo questionável. Relevante. Inclusive para a mídia. Mas todos tratam com naturalidade um velho nojento e asqueroso que “pega novinha”, né?! Sabe quantos anos ele tinha quando se apaixonou por ela? 62! Isso mesmo. Ela tinha 19. Uma menina ainda. Esse Temer é um ridículo! – disse Juliana, toda revoltada.
Não acredito que ouvi isso. Elas só podem estar me testando. Acabei de sair de uma discussão. Já vou ter que entrar em outra? E o pior de tudo é que Juliana vestia uma blusa. Escrito assim: toda forma de amor é válida. Olhei pra cara dela. Perguntei:
- Você lê o que está escrito em suas roupas antes de comprar?
- Eu estou falando sério! – disse ela.
- Eu também.  Vocês questionam tanto o amor. Dizem não ter cor. Nem sexo. Nem idade. Agora vem com essa. – acrescentei.
Ela se calou por alguns segundos. Pareceu ficar em resposta. Depois de um tempo, ela disse:
- É, pode até ser. Mas olha essa diferença de idade. Ele é praticamente um pedófilo.
Pedófilo??? Novamente, não pude acreditar no que estava ouvindo. É muita asneira para uma pessoa só. Não pude me conter:
- Como assim pedófilo?? 19 anos já é maioridade. Apesar de ser jovem, não significa que ela não sabia o que estava fazendo. Além do mais, os interesses da “menina” de 19 anos em se relacionar com um homem mais velho, melhor remunerado, não passam pela tua cabeça, não?
- Esse é o problema. Ele a comprou. – ela disse.
Cada palavra que saía da boca de Juliana me deixava mais indignada. Como é que essas feministas sempre arrumam um jeito de colocar a culpa nos homens? É incrível!
- Juliana, você é inacreditável. Quanta babaquice! Por que você e suas amigas mimizentas não ficam caladas? Fariam um favor para a humanidade.
Confesso que me exalto um pouco quando me tiram do sério.
Carol ouvindo tudo aquilo, se meteu:
- Ju, desiste! Essa daí é antifeminista roxa. Nem adianta discutir.
- Meninas, eu não sou obrigada a ser feminista! – disse.
Carol até já parecia conformada. Mas Juliana não. Ela estava mesmo disposta. Fazer minha cabeça era seu objetivo. Ela disse:
- Mas a mulher pode ser o que ela quiser. Graças ao feminismo.
Eu, já cheia daquele assunto, fui bem direta:
- Ora. Pois, se eu posso ser o que eu quiser, não sou obrigada a ser feminista, certo?
- Mas... – Juliana já ia rebater. Não deixei. Continuei:
- Eu não pedi para ninguém queimar sutiã por mim, pedi? Nem para colocarem peitos de fora. Muito menos levantar os braços com sovaco peludos, para lutar por uma coisa que eu não preciso. Se eu posso ser o que eu quiser, então respeitem a minha opinião.
Juliana, inconformada, ia dizer algo, mas Carol a impediu.
- Não. Tudo bem. Você está certa. Não vamos mais discutir isso. Não vai dar em nada mesmo. – disse ela.
Pegou a pipoca. Aumentou o volume da TV. Assim, terminamos o dia. Carol conformada. Juliana nem tanto. E eu com dor de cabeça. Nunca ouvi tanto mimimi em um dia só.



 Elainne Priscila

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Deu, tá dado




Caralho! Abra essa porta, menino! Porra!  Se esconde, vai. Minha mãe batia na porta freneticamente. Eu não sabia onde esconder alguém tão grande como Paulo. Pouco antes, estávamos em prazer eterno. Deitados juntos. Nos tornávamos um só. As batidas interromperam nosso pequeno carnaval.  Elas me tiraram dos braços másculos de Paulo. Onde esconder alguém tão grande? Belo. Perfeito. Gostoso. Não sei! Nilson, abra essa porta agora. Quero saber que gemedeira é essa no seu quarto.
Minha mãe não podia saber. Nem meu pai. Talvez eu não vivesse para contar a história. Paulo não é o primeiro e nem será o último a sentir o conforto da minha cama. Meu quarto, atrás da igreja, o banheiro da escola, enfim. Prazer. Eram meus ninhos de amor. Todos queriam mais. O que meus pais diriam? Não posso falar. Fico com umas “rachas” por aí. Uma máscara, apenas. Encenação forçada.
Pensei em me assumir. Para meus pais. Medo. Sinto medo. Pedi a Deus para me dar força. Meu pai diz: Deus nunca escuta veado. Era assim que ele iria me denominar. Uma semana atrás pensei em assumir meus casos. Casos loucos de amor. Xavier. Victor. Rickson. Vinícius. Paulo. Não os tiro da mente. Tantos lugares. Cada noite selvagem! Não vou contar. Não tenho coragem. Mas quem é minha mãe? Quem é meu pai? Para denominar o amor... Amor é amor. Seja ele qual for. Que foi, mãe?
- Por que não abriu a porta?
- Estava dormindo.
- E essa gemedeira?
- Não tem gemido aqui.
Ela olhou desconfiada. Saiu. Mandei Paulo embora. Um beijo. Quente. Bom. Gostoso. Saltou a janela.
No outro dia, fui decidido. Falarei com meus pais. O amor. Nada mais importa. Amo ser quem sou.
- Mãe, pai, preciso falar com vocês.
- Pode falar.
- Eu sou gay. Sempre fui, mas tinha medo de falar.
Ficaram olhando para mim como se estivessem sonhando. Minha mãe desmaiou. Meu pai foi ajudá-la. Naquela tarde, a levamos para o hospital. Recebeu alta à noite. Meu pai nada disse. Pela manhã,  só me falou uma palavra.
- Saia!
Não discuti. Não me opus. Fiquei calado. Talvez, um dia, eles me aceitem.   Fui.
Não olhei para trás.

Luan Filipe

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Assalto

Me lembro quando ele entrou. Alto, bem vestido e sério. Aparentemente normal, como qualquer pessoa naquele Banco. Não demorou muito para anunciar o assalto. Merda. Logo hoje? Quase nunca saio de casa e, quando saio, dá nisso!
Meu coração disparou. Minhas mãos começaram a suar. Ele nos mandou ficar quietos enquanto vasculhava o local. Foi aí que o observei melhor: olhos castanhos claros, pele morena e cabelos cacheados. Era uma beleza comum, suave. Na medida certa.
No momento do assalto, havia poucas pessoas no Banco: um senhorzinho, uma mulher com seu filho de colo, duas atendentes e um gerente. E eu. Recém-separada de um casamento de três anos. Traída. Dei tudo de mim para dar certo. Já meu ex-marido, nem tanto. Desde a separação me sinto vazia. Me sinto sem nada. E agora, além de tudo, sendo assaltada.
Nesse momento, a sirene da polícia soou do lado de fora. Ele voltou com sacolas de dinheiro. A porta é derrubada. A polícia invade o Banco, apontando armas.
Ele me pega com violência. Aponta uma arma para minha cabeça.
-Se afastem! Ou mato ela! E todo mundo aqui. Afastem!
-Calma! Não vamos atirar. Não machuque ninguém. Vamos negociar! Se entregue – fala a polícia.
Meu Deus! Vou morrer. E agora? A polícia se afasta um pouco. Alguns policiais baixam as armas. Tento falar com ele. Acalmá-lo.
-Por que você está fazendo isso? Liberte todo mundo. Você não tem saída.
-Cala a boca! Você não sabe de nada. Não vou para a cadeia.
-Você vai acabar com sua vida.
-Não! O dinheiro. Minha mãe precisa.
-Sua mãe?
-Ela está doente. Vai morrer! Precisa de cirurgia!
-Deve haver outra forma de conseguir o dinheiro. Uma maneira honesta.
-Honesta?! Não tem! Já tentei. Tentei arranjar um emprego, fazer bico. Até pegar empréstimo neste maldito Banco. Não consegui nada.
Algo dentro de mim queria ajudar. Fique compadecida. Senti pena. Ele era só alguém que não teve oportunidade. Que queria ajudar a mãe doente. Olhei para os três únicos policiais presentes do lado de fora. Provavelmente chamando reforços. Um segundo afastava os curiosos que estavam na porta do Banco. E o último, atento a tudo que acontecia do lado de dentro.
-Se entregue, por favor!
-Cala a boca!
Nesse momento, um policial avança em direção ao assaltante. Os dois entram em luta corporal. Com dificuldade, ele é imobilizado e algemado.
Logo, sou amparada pelas pessoas ao redor enquanto o levam para a viatura. Vou para delegacia junto com os outros reféns. Decido não prestar queixa.
Volto para casa. Com os noticiários e reportagens, descubro seu nome: Ricardo. Foi levado para penitenciária da cidade. Como será que ele está? Com fome? Com sede? E até com frio?
Alguns dias se passam. Só penso nele. Meus amigos me falam que ando triste. Distraída. Sua imagem não sai da minha cabeça. Conseguiria ajudar de alguma forma? Conseguiria tirá-lo do mundo do crime? Estou maluca. Penso 24 horas em um assaltante. Desejando-o como amante.
Preciso agir. Fazer algo. Seria loucura visitá-lo? Não. Claro que não. Só quero ver como ele está. Se está bem. O que é que tem? A própria Bíblia diz: amai o próximo.
No dia seguinte, vou até lá. Entro na penitenciária. Digo que sou sua namorada. Quem sabe? Levo para ele um bolinho. Um doce. Um suquinho. Algo para amenizar sua dor. Sou levada para uma sala. Ali fico. Esperando. Estou nervosa. Mãos suadas. Tecnicamente, é nosso primeiro encontro, não é mesmo? A porta se abre. Meu coração dispara. Alguém entra. É ele.

Amanda Pinheiro

Vinde a mim os coroinhas

Animado. Foi assim que acordei hoje. E ansioso. Serei padre em uma outra cidade. Do outro lado do Estado. Nova igreja. Novos católicos. Novos coroinhas.
Fui bem recebido por todos. Tomei café com algumas senhoras. Conheci o antigo museu. E o famoso rio do interior. Mas o melhor foi conhecer os coroinhas. Todos enfileirados. Como um belo banquete.
Não faz muito tempo que estou aqui. São todos bastante responsáveis. Nas missas. E reuniões. Principalmente os coroinhas. Alguns se esforçam. E um se destaca. Me chamou a atenção. Pela dedicação.
Bonito. Dedicado. Esperto. Educado. Ganhou minha confiança. E ele confia em mim. Afinal, sou seu padre. Mensageiro de Deus.
Falei com ele. Sobre muitas coisas. Apenas da igreja. Religião. Planejamos o assunto da próxima reunião. Ele sugeriu o assunto. Assédio de menores. Intrigante. E conversamos mais. Agora sobre a vida pessoal. Ele pegou meu número. Para um grupo da igreja. Em uma rede social. Salvei o contato dele. Mas nunca batemos papo. Apenas vejo as fotos dele. Lindo. Jesus!
Só Deus sabe o que estou pensando. Estou desejando aquele coroinha. Fico imaginando bobagens. Principalmente na hora da hóstia. Quando abre a boca para eu colocar na sua língua. Que pecado!
Noto algo interessante. Ele gosta de ficar aqui. Na igreja. Passa a maior parte do tempo. Ajudando. Organizando reuniões. Missas. Campanhas. Eu preciso falar com ele. Mas não posso mais. Eu prometi. A mim.
A Deus.
Já está tarde. Missa da noite. Todos indo embora. Vou ajudar a arrumar a igreja. Muitos já foram. Ele está aqui. Todos os coroinhas já foram. Menos ele. Tudo pronto. Ele saiu. Foi a caminho do salão. De reuniões. Vou atrás dele. Meu momento. Nosso momento a sós. Pecado? Talvez. Mas Deus já me perdoou uma vez.

Ele perdoará novamente.

Tays Maria

Doce

Era minha primeira vez. Nunca tinha ido a uma rave. Tanta gente. Tanta bebida. Eu, um garoto do lar. Do interior. Um “matuto”.
  -- Fala, matuto. Quer beber?
   -- Não, obrigado!
    -- É só um gole, vai.
    -- Não, eu não bebo.
  Ele continuou insistindo. Eu permaneci recusando. Nós éramos da mesma faculdade. Do mesmo curso. Ele me apresentou algumas garotas. Bonitas. Formosas. Elas então me perguntaram:
              -- Você quer um doce?
              -- Um doce?
              -- Sim!
              -- Que tipo de doce?
              -- Um tipo que te deixa feliz, que te enturma.
              -- Então, eu quero!
              Peguei o doce. Era azul. Veio em um saco transparente. Tomei. Tinha um gosto estranho. Um gosto de arco-íris. Já que é pra tomar, tomei. Doce após doce. Bebida após bebida. Depois disso, não sei o que aconteceu. Acordei em um quarto. De um hotel. Ou de um motel? Não sei! Em uma cama com cinco, seis. Sete, talvez! Eram muitas garotas. De todas as cores. Tipos. Sabores.
              Fui pra casa. Tonto. Cansado. Andando como um ser embriagado. Cheguei. Fui direto ao banheiro. Vomitei. Depois, fui para a faculdade.
            Estou mal vestido? Estou fedendo? Não! Acabei de tomar banho. Todos estavam me olhando. Raivosos. Encontrei com o cara. Da noite passada. Me olhou.
              -- O que você está fazendo aqui?
              -- Eu estudo aqui, esqueceu?
              -- Depois do que aconteceu ontem, não pensei que se atreveria.
              -- Ontem?
              Olhei para os lados. Pessoas que nunca tinha visto. Agora nos cercavam. Suas palavras eram como grunhidos. Só pude discernir um. Estuprador.
           Iniciou-se uma perseguição. Frenética. Não sei a razão dessa correria. Mas minha vida está em risco. E não sei o motivo. Ai! Fui atingido por uma pedra. O sangue começou a fluir. Manchando a camisa. Subi em uma moto. Ela estava jogada na rua. Que pessoa desatenta! Esqueceu a chave na ignição. Fugi como o diabo foge da cruz. Larguei a moto no caminho. Cheguei em casa. Fui direto ao computador. Abri o facebook. Encontrei o meu fim.

                          Garoto de 19 anos comete estupro

                          Era minha foto. O sangue congelou.

                          “Ele me drogou e me violentou! ”

                        Eu fiz isso? Não pode ser! A garota me era familiar. Já nos conhecíamos? Acho que não!
                          Mas o que está acontecendo?  Me enganaram? Armaram pra mim? Será? Não pode ser! O doce! Fui pesquisar. Não era um doce. Era uma droga.
                          Que barulho é esse? Corri. Olhei pela janela. Eram mulheres. Um tipo diferente. Rebeldes. Lutadoras. Eram feministas.
                          -- Você é mais um dos monstros machistas!
                          Ela deve ter visto a notícia! Eu não lembro de nada. Pensei em dizer isso. Seria perda de tempo. Elas não entenderiam. Quem está batendo? Será que tentam me matar? Era um policial. Me algemou. Me levou no camburão.
                          Quando me dei conta, estava na prisão. Em uma cela com vários criminosos. Um deles começou a dizer:
                          -- Carne nova no pedaço!
                          -- Me deixem em paz!
                          -- Um estuprador querendo paz? Hahahaha.
                          -- Eu não sou um estuprador.
                          -- Claro que não!
                          Eles começaram a me cercar. Olhares malignos. Famintos.
                          -- O que estão fazendo?
                          -- Você vai provar do próprio veneno!
                          Mais perto. Cada vez mais perto. Eles me encurralam. Será o meu fim? E tudo ao meu redor escurece.

Victor Xavier




Feminismo é mimimi

Aff! Não aguento mais. Pra todo lugar aonde eu vou as pessoas vêm com esse negócio de feminismo. Principalmente depois do estrupo coletivo de uma jovem no Rio de Janeiro. Uns dizem quem foram 30 caras. Ou seriam 33? Ainda dizem 36. Era só o que as feministas estavam esperando. Para se manifestarem. Inventaram até uma cultura do estupro. Como se o homem fosse ensinado a estuprar desde pequeno. Meu ovo! E o que falar da castração química? Uma vergonha. Se for assim, tem que existir pena de morte para um assassino. Pena de roubo para um ladrão. Homem tenha fé em Deus.
Esses dias fui inventar de postar uma frase no Facebook: ”Feminismo é mimimi”. Deu-se a desgraça. Uns 3000 comentários de feministas. Todos me esculhambando. Inventei de responder. Não todos, claro. Apenas alguns. Principalmente os de Ana Camélia. Feminista roxa. Uma das líderes do movimento feminista de Natal/RN. Posteriormente, Em uma manifestação na praça cívica, ela passou em frente a minha casa. Tive de vontade de ir discutir. Não consegui. Se no perfil do Face ela era bonita, pessoalmente então... Era linda. Uma maravilha quem sabe até, a mulher da minha vida. Ela veio até mim. Tirar satisfação. Me chamou de machista. Certamente me reconhecera. Não falei nada. Preferi fugir da confusão. Para não diminuir minhas chances de conquistá-la.
À noite, entrei no bate-papo do Facebook. Fui tentar falar com ela:
- Como é que você está? Já se acalmou?
- O que você quer machista?
Eu não sou bobo nem nada. Fui logo limpando minha barra:
- Vou ser sincero com você. Depois dessa última manifestação, confesso. Fiquei comovido com a causa de vocês.
- Mas já? Se você mudou mesmo, não vai se importar de participar da nossa próxima manifestação. Não é mesmo?
Não perco tempo. Já confirmo presença no evento:
- Claro, será um prazer.
- Então está combinado. Esteja sexta-feira às 16h em frente ao Midway Mall. Estarei esperando por você.
Quase não durmo, tamanha, era minha felicidade. Na tarde do dia seguinte, me arrumei. Para não fazer feio. Na frente de Ana Camélia. Cheguei na manifestação. Ela estava a minha espera:
- Pois não é que você veio mesmo!
- Claro sou um homem de palavra.
Tudo ocorria dentro do esperado. Participei da manifestação. Gritei palavras de ordem. Junto com Ana Camélia. Porém, acabei dando bobeira. Perdi meu celular no protesto. E adivinha quem achou? Pois é. Ela viu minhas conversas do Whatsapp. Em uma delas, estava escrita toda a verdade:
- Eaí parça, tá de boa?
- Tô bem pra caramba. Quase ficando com Ana Camélia.
- Aquela feminista?
- Ela mesma!
- Qual é? Virou feminista agora?
- É o que eu tô tentando fazer ela pensar.
- Acho que vai ser complicado. Mas... Boa sorte!
- Vlw.
Ana me devolveu o celular no mesmo dia. Jogou na minha cara. Ficou puta comigo. Foi aí que percebi: É melhor ser odiado pelo que sou. do que amado pelo que não sou.

Erick Dantas


            

terça-feira, 12 de julho de 2016

Incesto

Acabamos de fazer o lanche. Ele já está quase chegando. Ding Dong,  deve ser ele. Mais uma noite daquelas. Do jeito que eu tava querendo. Ele, como de costume, me saciou. Me fez viva. Aí volta para o mundinho tosco novamente. Eu já disse pra ele acabar com aquela bosta. Ele precisa de mulher madura, experiente.
A esperança é a última que morre.
Eu sei que um dia ele vai assumir. Vai perceber que sou o melhor pra ele.
O telefone toca, deve ser Abigail querendo saber sobre seu filho. Não, irmã, ele acabou de sair. Hoje eu dei aula de línguas. Sim, Bi, ele está aprendendo bastante. Não se preocupa, as notas dele vão melhorar. Mande ele estudar. Tome o celular, não deixe ele ficar conversando com aquela garota. Sim, a namorada dele mesmo, ela está sendo uma má influência.
Não admitiria tamanha indecência.
Meu namorado me traindo na cara de pau. Nam, nam,  não.
Não sei se devo fazer para ele reconhecer que só precisa de mim. Isso, uma macumba! Acho que rola, daquelas da internet. Ah, é mesmo, simpatia. Nome completo: Maxsuel da Costa Barbosa.. Colocar na calcinha e perfumar com rosa. Espero que dê certo, aí ele vai ser só meu.
Mais um dia de aula, turma cheia, minha cabeça também. Só pensa em Max. Nos reforços que eu dou pra ele. Tô viajando em cada beijo, em cada noite, em cada desculpa que ele conta para namorada dele pra que a gente possa se encontrar.
E depois eu fico perguntando a Deus porque tinha que ser assim, esse amor impossível, imprudente.  choro, na cama. Calada. Engole o choro. Engole tudo. Ele ficou bem feliz. E assim passou-se mais uma noite de delírios e incerteza. Amor, acaba com ela, vamos ser só nós dois. E quebrei o clima novamente. Hoje acabamos mais cedo, culpa da minha idiotice. Hora de tomar um banho, colocar a lingerie vermelha e deitar para uma bela noite de sono.
Indo na casa da amiga Abigail, fazer uma visita para minha tão querida irmã, aproveito para ver meu sobrinho preferido, Max, e matar a saudade dele.
Puta merda, ainda nem entrei e já vi que a brutamonte dele tá aí,  aff. Estão vindo em minha direção, sorrindo. O que diabos está acontecendo aqui!?
- Tia, eu e Lívia vamos nos casar.
Morte súbita. Cadê meu chão?
Acordei no sofá de Abigail, com meu príncipe, Max, me olhando.
-Misericórdia, o que tu tem, menina? -Perguntou Abigail.
Olhe no fundo dos olhos de Max. Ele viu a lágrima escondida na minha alma. Aflita por dentro. A mágoa era grande, tristeza profunda. Tava me sentindo imunda. Vou dizer do nosso caso. Isso não pode ficar assim. Ah, não pode.
Acordei. 6:00 da manhã. Preferia ter morrido a ter tido esse pesadelo. Não mereço. Mas, pelo menos, foi só um pesadelo. Meu mocinho ainda continua em meus braços para eu lhe ensinar o sentido da vida.
Proibido é mais gostoso.
Lembro quando ele nasceu. Eu o vi nascer. Fui acompanhar minha irmã no parto do seu primeiro filho. Fui a primeira a ver ele saindo dela, choramingando horrores. Talvez ali eu já o amasse.
Mas aí o amor cresceu, e hoje vivemos assim, nesse alvoroço. Nos condenariam, mas eu aceitaria. Por amor, só por amor. O amor puro, maduro. Que transborda, jorra, nas curvas da alma, sem calma.
Almoço de família para comemorar bodas de ouro de meus avós, toda a família estará presente. Momento perfeito para assumir nosso namoro. Chegando à festa, quase todos estão presentes, só faltam alguns, inclusive Max. Planejei tudo, quando ele chegar e passar naquela porta, gritarei para todos o nosso amor. E assim viveremos felizes para todo o sempre.

Thayse Maria