segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Sendo assim



Como de costume, Rogério, ao chegar do trabalho, corre logo até a escrivaninha da cozinha, a fim de checar o que há para ele por lá. Sim, ele tem uma escrivaninha na cozinha, pois Rosângela, sua esposa, exigiu que ele comprasse uma para a sala, uma para o quarto e outra para a cozinha. Além de, apenas este mês, ter comprado 2 celulares, por achar que o que ela tinha já saíra de moda.
Ficou em dúvida em qual levar e comprou dois. Nesta semana, Rosângela, consumista como é, também comprou duas televisões de 48 polegadas, diversas roupas, mais de 10 pares de sapatos. Rogério já estava ficando louco.
A escrivaninha da cozinha está sempre cheia de avisos, ou cartões, ou correspondências deixadas pela empregada da “família”, Gorete, que sempre faz o favor de organizar tudo por lá, para que Rosângela não encontre nada fora de ordem.
O que mais preocupa o dono da casa, na hora de checar a escrivaninha, são as correspondências que ele encontra todo dia por lá. Despesas com a casa, dívidas em lojas de roupas, lojas de sapatos, lojas de bijouterias, mais contas, às vezes um aviso de cartão estourado...
Certa vez, Rogério entra na cozinha e encontra Rosângela, em vez de Gorete.
Ela estava muito animada vendo uns novos vestidos na revista da Vogue. Isso o deixou muito irritado. A mulher não se conformava com tudo o que tinha. Já não bastava o closet imenso, que tomava quase todo o segundo andar da casa, ela queria mais, sempre mais.
“Amoooor!” Diz ela, feliz.
“Oi, amor”
“Olha que vestido lindo! Achei a minha cara. E eu não tenho nenhum nesse tom de cor. Compra pra mim?”
“Vamos ver a possibilidade, já temos muitas dividas e...”
Ela o interrompe: “Amor, olha só esse outro vestido, tem até pedrinhas de brilhantes. Compra, amor, vai!”
“Ok, amor, verei isso mais tarde, agora preciso de um belo banho e um café. Gorete!” Ele grita. “Tem café pronto?”
“Tem sim, Seu Rogério, está em cima da mesa.”
Rogério resolve então que, no outro dia, terá uma séria conversa com Rosângela. Ele quer decidir como vão ficar as despesas. Está tudo muito pesado para ele pagar sozinho. E ela cada dia chega com uma nova conta, um novo cartão estourado, uma nova roupa.
Ele está só esperando ela comprar uma nova casa e ir embora, pois assim será melhor, ele já não aguenta mais. Quando ele chega em casa, no dia seguinte, vai diretamente para a sala conversar com ela.
“Amor, precisamos conversar”. Diz Rogério, apreensivo, sentando-se no sofá.
“Ok, Amor, mas antes olha que brincos lindos!”  Diz ela ainda, após fechar a revista que estava olhando.
“Amor, é sério. Nossas despesas estão cada vez mais altas, não consigo conciliar os gastos com o meu salário. Estou devendo em várias lojas, principalmente de roupas e acessórios. Gostaria de dar um basta nisso. Quero que você pare de gastar um pouco. Pelo menos até eu conseguir pagar todas essas contas que estão pendentes. Os juros estão altíssimos. Meu salário não é lá isso tudo, você sabe. Queria a sua cooperação nessa tarefa.”
“Ah, Rogério, por que você não disse isso antes? Estou e estarei sempre do seu lado. Quando precisar e estiver difícil, fale comigo. Não demore tanto da próxima vez. Te entendo perfeitamente e te ajudarei nessa tarefa. Não se preocupe”. Abaixa e o beija os lábios.
Dois meses se passaram sem preocupações sobre compras e gastos na casa deles. Rogério já estava até acostumando: chegava em casa e encontrava apenas duas ou três correspondências em cima da escrivaninha da cozinha. Sempre perguntava a Gorete se ela não escondera nenhuma. De início ficou meio assustado, mas depois das duas semanas já podíamos até ver um sorriso no seu rosto. Chegava em casa cantarolando, feliz da vida, por saber que estava conseguindo pagar todas as suas dívidas.
Ele abriu mão de ir assistir ao jogo da final no Young’s, de comprar uma nova televisão para acompanhar seus programas. Mas conseguiu saldar metade das dívidas.
Parece que o sossego de Rogério só durou dois meses. No fim do segundo mês, ele chegou em casa e viu um carro novinho na garagem. Era um Nissan March, cinza, modelo 2014.
O carro era lindo e extremamente caro. Rogério pensou logo que tinha alguma visita em sua casa. Mas quem os visitaria assim sem avisar? Seria a sua sogra? Ele pensou logo que não, com um carro daquele não poderia ser ela. Só tinha uma maneira de descobrir: entrando na casa e vendo quem era a tal pessoa.
Abre a porta, olha na sala de espera e não vê ninguém. Vai direto para a cozinha, como de costume, e lá só encontra Rosângela e Gorete. Rosângela se levanta de relance e vai logo ao seu encontro:
“Amor, você viu que lindo?”
“Vi sim, achei que tinha alguém aqui em casa, visitando.”
“Não, amor, eu comprei para você” Fala ela, com orgulho.
“Comprou? Para mim? Por quê?”.
“Você merece, amor, está conseguindo se livrar das contas rapidamente.”
“Como você comprou isso? Pelo que eu sei, você não trabalha, então não tem seu próprio dinheiro para me dar um presente.” Diz ele, alterando o tom de voz.
“Ah! Ia esquecendo, está aqui, Amor, todos os documentos para você conseguir fazer o seguro do carro.”
“Rosângela! Olhe só o preço dessa coisa. Isso não é um carro! Meu Deus, você não entendeu direito o que eu pedi, não foi? Tá pensando que dinheiro cai do céu? Você nunca entende nada, não é? Eu pedi pra você parar, PARAR de gastos, e você disse que iria cooperar”
“Amor, des...desculpa. Não foi a intenção. Eu te vi tão feliz por conseguir superar tudo. Achei que não iria se importar, que iria gostar do presente. Afinal, é um carro bonito.” Diz, quase chorando.
“Bonito! Sim, o carro é bonito. Muito bonito e caro! Tá vendo aquela mesinha ali?” Aponta para a escrivaninha da cozinha. “A partir de amanhã, ela estará cheia de novo, e o que você acha que isso significa? Mais dinheiro pra comprar suas porcarias é que não é. Me poupe, Rosângela”
“Amor, calma, a gente pode...”
“A gente não pode nada. Sabe o que eu posso fazer? Ir embora daqui, pois eu não aguento mais nada disso. NADA! E não ouse tentar me impedir.”
Rogério sobe, vai até o quarto e arruma sua mala com tudo que precisa e sai. Ele não aceita o carro. Quando chega à porta, lágrimas brotam em seus olhos, o que faz com que sua visão fique embaçada.
Ele se pergunta se aquilo era realmente o melhor a fazer. Deixá-la, deixar sua família, sua casa. Ele a ama, mas não o disse. Ele já sente saudades. Mas fez uma escolha e não quer voltar atrás. Ele não queria deixá-la, mas sabia que era preciso. Após sair pela porta da frente, anda cinco metros, vira-se pra trás e vê sua esposa na porta aos prantos. Dá uma boa olhada em tudo que tinha conseguido até aquele momento de sua vida, vira-se e parte deixando tudo para trás.

Gerardo Neto
Rafael Cardoso

Conto produzido a partir da letra da canção brega Sendo assim, de Genival Santos.


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