segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Aparências

 


        De toda a casa ouvia-se o som nas alturas. A mulher já não aguentava mais. Foi até o quarto e lá começava mais uma briga.
- Filho de Deus, desligue esse som por caridade! Todo dia é a mesma coisa!
- Minha senhora, sou eu que pago a conta de energia, portanto não venha falar merda. Deixe de implicância!
- Então abaixe esse volume, condenado! Eu não aguento mais escutar Belchior.
- Eu abaixo se eu quiser! Vá lavar a roupa, que é o melhor que você faz.
Ele disse:
- Solte essa faca, Garibalda! Você não tem noção da besteira que está prestes a fazer?
- Besteira? Besteira é ter uma vida e um casamento baseados em brigas e sofrimento. Não passamos de um casalzinho fingido.
- Eu sei que nós discutimos muito, mas ainda nos amamos. No fundo, você sabe disso.
- Depois da morte do nosso filho, eu não sei de mais nada, Josenildo. Acho que só não quis me separar de você ainda, porque sei que o nosso menino não iria gostar de ver seus pais separados e, como diz minha mãe, depois dessa casa, eu só tenho a rua, pois ela é pública. Essa é a verdade!
            - Vamos deixar o nosso passado um pouco de lado, Garibalda. Já passamos e ainda enfrentamos momentos difíceis, mas eu tenho esperança de que as coisas entre nós vão melhorar. Nosso filho ficaria feliz com a nossa felicidade. Pense nisso.
Garibalda soltou a faca e saiu chorando. Entrou no quarto e falava sozinha. “Meu filho. Foi embora tão cedo, junto com a minha felicidade e o meu casamento”. (...).
Já preocupado com sua mulher, Josenildo vai até o quarto em busca de uma solução para os seus problemas.
- Me diz, Garibalda. Já temos anos de casados e depois da morte do nosso filho tudo é a mesma coisa. Então, por que não temos outro filho? Tudo pode voltar a ser como era.
Chorando, Garibalda diz que só de pensar que pode perder um filho novamente, ela sente uma agonia.
No meio da conversa, ouve-se um barulho, ou melhor, um choro. Josenildo vai até a porta e se depara com um bebê dentro de uma cesta.
Ele pega a criança e a leva até o quarto, onde está Garibalda.
            - Está aqui. Ganhamos outro filho e uma chance de sermos felizes novamente. Deixaremos de ser um casal fingido que muito dorme e pouco transa.
            Garibalda dá um sorriso, depois de anos sem sorrir. Com os olhos cheios de lágrimas, ela diz:

- Tudo voltou. Tudo voltará a ser como antes. Tudo.

Jéssica Sayonara
Hugo Araújo

Conto produzido a partir da letra da canção brega Aparências, de Márcio Greyck.

Nenhum comentário:

Postar um comentário