segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Cadeira de rodas

Nunca havia esperado da vida grandes coisas. Também nunca fui de almejar grandes feitos. Sempre levei uma vida pacata, como sujeito simples. Não por ter sido posto a isso, mas por escolha própria.
Tudo, absolutamente tudo que sempre procurei foi um amor verdadeiro. Meu coração clamava por um pouco de poesia na vida. Toda essa minha solidão e descontentamento teve fim ao conhecer Ana. A criatura de mais sublime beleza que meus olhos já houveram de mirar.
Tinha a pele alva como a neve dos grandes Alpes. Seus cabelos recaíam perfeitamente sobre a face. Seus olhos... Ah, aqueles olhos! Ora tão tristonhos e sem alegria, ora doces e vibrantes ao me verem passar. Aqueles olhos que inspiravam toda a felicidade em mim. Me rasgavam a alma ao vê-los dissolver em lagrimas durante todo e cada alvorecer.
   Todos os dias, lá pelas cinco da tarde, eu passava pela Rua Augusta. Só para ver a minúscula boca de Ana se abrir num sorriso para mim. Aquela menina era a felicidade que eu tanto havia esperado. Em toda a vida jamais tinha visto tanta doçura e desolamento em um só olhar.
Em quase todas as tardes, minha pequena Ana recolhia-se à porta de sua casa, presa a uma cadeira de rodas. Eu a fitava de longe, como um forasteiro curioso. Ela sempre com aquele semblante triste, que só revigorava ao me ver passar todas as tardes. Eu sabia que eu era sua felicidade, assim como ela era a minha, mas não sabia como, nem por onde confessar-me.
   Arquitetei inúmeros planos, envolvendo telefonemas inesperados, flores, dentre todas as tantas coisas tidas como românticas, mas nada disso parecia fazer sentido para mim. Resolvi que iria falar com ela na próxima tarde e contar todos os suplícios desesperados de amor contidos em meu peito.
   Chegada a tarde, fiz todas as minhas atividades habituais. Me vesti e me direcionei à Rua Augusta, afoito para ver minha pequena. Pretendia lhe jurar amores e cantar toda a sinceridade do meu sentimento idealizado até o fim do crepúsculo.
   Ao chegar, estranhei não vê-la sentada à porta. Bati diversas vezes, chamei, sem sucesso algum. Um vizinho que passava com uma sacola cheia de pães quentes e recém-saídos do forno, me informou que todos que ali habitavam, inclusive minha Ana, haviam partido com destino incerto e desconhecido.
Me desesperei. Os meus olhos choravam a agonia de perder um amor tão grande, que nem pôde se concretizar. Hoje, com todas as rugas e a casmurrice que os anos me ofertaram, perpetuo a sombra de minha angústia, desolação e pranto, na lembrança de haver deixado a única alegria e faísca de vida que a existência me oferecera.

   O destino fez-me cativo de lembrar de minha Ana sorrindo para mim, em sua cadeira de rodas, para todo sempre. Rogaria a Deus que me fizesse iválido, a fazer-me refém de um amor não vivido. 

Ângela Rayane
Tainan Medeiros

Conto produzido a partir da letra da canção brega Cadeira de rodas, de Fernando Mendes.

 

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