
Tinha a pele alva como a neve dos grandes Alpes. Seus cabelos recaíam perfeitamente
sobre a face. Seus olhos... Ah, aqueles olhos! Ora tão tristonhos e sem
alegria, ora doces e vibrantes ao me verem passar. Aqueles olhos que inspiravam
toda a felicidade em mim. Me rasgavam a alma ao vê-los dissolver em lagrimas
durante todo e cada alvorecer.
Todos os dias, lá pelas cinco da
tarde, eu passava pela Rua Augusta. Só para ver a minúscula boca de Ana se
abrir num sorriso para mim. Aquela menina era a felicidade que eu tanto havia
esperado. Em toda a vida jamais tinha visto tanta doçura e desolamento em um só
olhar.
Em quase todas as tardes, minha pequena Ana recolhia-se à porta de sua
casa, presa a uma cadeira de rodas. Eu a fitava de longe, como um forasteiro
curioso. Ela sempre com aquele semblante triste, que só revigorava ao me ver
passar todas as tardes. Eu sabia que eu era sua felicidade, assim como ela era a
minha, mas não sabia como, nem por onde confessar-me.
Arquitetei inúmeros planos,
envolvendo telefonemas inesperados, flores, dentre todas as tantas coisas tidas
como românticas, mas nada disso parecia fazer sentido para mim. Resolvi que
iria falar com ela na próxima tarde e contar todos os suplícios desesperados de
amor contidos em meu peito.
Chegada a tarde, fiz todas as
minhas atividades habituais. Me vesti e me direcionei à Rua Augusta, afoito
para ver minha pequena. Pretendia lhe jurar amores e cantar toda a sinceridade
do meu sentimento idealizado até o fim do crepúsculo.
Ao chegar, estranhei não vê-la sentada à porta. Bati diversas vezes, chamei,
sem sucesso algum. Um vizinho que passava com uma sacola cheia de pães quentes
e recém-saídos do forno, me informou que todos que ali habitavam, inclusive
minha Ana, haviam partido com destino incerto e desconhecido.
Me desesperei. Os meus olhos choravam a agonia de perder um amor tão
grande, que nem pôde se concretizar. Hoje, com todas as rugas e a casmurrice que
os anos me ofertaram, perpetuo a sombra de minha angústia, desolação e pranto,
na lembrança de haver deixado a única alegria e faísca de vida que a existência
me oferecera.
O destino fez-me cativo de lembrar
de minha Ana sorrindo para mim, em sua cadeira de rodas, para todo sempre.
Rogaria a Deus que me fizesse iválido, a fazer-me refém de um amor não
vivido.
Ângela Rayane
Tainan Medeiros
Conto produzido a partir da letra da canção brega Cadeira de rodas, de Fernando Mendes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário