segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

No toca-fitas do meu carro


             Quinze minutos passaram-se, e continuo aqui, no meio de uma ponte preso ao trânsito e aos meus pensamentos. Sozinho. Dentro do carro, no banco de couro vermelho do meu Chevette importado, olhando minha agenda, enquanto as cinzas do meu cigarro caem no carpete. Ligo o empoeirado toca-fitas, que abandonei depois que tudo aconteceu. Uma canção toca e me faz lembrar você. Aquela canção.
Patrícia era uma mulher envolvente, tinha a pele branca e levemente bronzeada, cabelos louros e os olhos cor de mel grandes e penetrantes. Era o tipo de mulher que sempre conseguia o que queria. Eu fazia de tudo por Patrícia e ela me retribuía satisfazendo todas as minhas fantasias. Seu toque era macio. E os seus lábios carnudos nos meus me levavam à loucura. Nós tínhamos algumas discussões, mas nada que pudesse nos abalar, pelo menos era o que eu pensava.
Voltemos um pouco ao passado, há seis meses para ser mais exato, quando o meu amor foi jogado na lata de lixo. Eu pensei que ela me amava, não quero acreditar que me enganei. E a maldita lembrança se fez viva em minha mente:
Era uma terça-feira comum. Cheguei mais cedo do trabalho, desci do carro e caminhei lentamente para a porta de casa. Ao abrir a porta, me deparei com a blusa e o blaser de minha esposa, tudo pelo chão da casa. Subi as escadas e vi uma calça masculina com o cinto e, no final das escadas, avistei o som. Olhei pra baixo e vi a calcinha da minha esposa junto à mesinha onde estava o som que tocava “a música” debilmente. Continuei caminhando, fui em direção ao nosso quarto. Embora eu já soubesse com o que estava prestes a me deparar, não sentia medo, nem raiva, nem decepção, não sentia nada.
Cheguei à porta do meu quarto e, por entre a melodia, ouvi sussurros e gemidos vindos lá de dentro. Lentamente, girei a maçaneta e, através da fenda que surgira, olhei cuidadosamente. Não por muito tempo, mas o suficiente para assistir ao filme que nunca mais sairia da minha mente. Através do espaço que me cedi, vi-a beijando outra boca, com os mesmos lábios que me beijaram ao nascer do sol. Enquanto isso, ele percorria vagarosamente toda à extensão de suas costas até suas coxas. Ela estava tão entregue aos braços dele... O vi beijando seu pescoço, e suas mãos seguravam e apertavam os seus seios, depois desceu beijando seu colo e seios. Escancarei a porta sem querer. Quando eles me viram, ela se cobriu com a vergonha que sentia e rapidamente o cretino se pôs de pé.
– Eu acho melhor você sair daqui.                   
“Quem ele pensa que é para me falar que eu devo sair da minha própria casa?” Foi o que pensei quando ouvi a frase ridícula que havia saído por entre os lábios do homem que beijava minha mulher, e eu não fazia ideia desde quando. Só pensei, porque falar, eu não consegui. Eu só fiquei ali, parado diante deles, e o filme ficou repassando na minha cabeça de corno. O sangue, que antes permanecia calmo, passou a correr ardente entre minhas veias, tive vontade de adentrar como um foguete e soltar tudo que estava sentindo com toda a minha força.
– Seu filho da puta! Eu vou quebrar a sua cara e arrancar seu pinto fora, desgraçado!
Dei um soco nele. Aproveitando que ele estava pelado, chutei-o entre suas pernas, descontando toda a minha raiva e sentindo-me vingado. Ele foi ao chão e eu quase o espanquei até a morte. Enquanto isso, ela gritava desesperada por causa daquele imbecil.              – Souza, sai de cima dele, para com isso! Você tá louco! Você vai matar ele! Seu idiota, EU TE ODEIO!
Você, que está lendo os devaneios de um homem traído, deve estar mesmo acreditando que defendi o meu orgulho e descontei todo o meu ódio e fúria naquele infeliz, mas não, eu não fiz isso, eu não explodi coisa nenhuma. Eu não soquei aquele desgraçado. Eu não o chutei entre as pernas. Eu não o espanquei até a morte. Na verdade, eu gostaria muito de ter feito isso, mas foi tudo fruto da imaginação. Eu apenas dei meia volta, desci as escadas, andei até a porta e saí. Peguei o meu Chevette e fui embora.
Não sei se me faltou coragem ou simplesmente aceitei, só sei que as coisas ainda estavam confusas, eu não conseguia acreditar que tinha sido covardemente traído em minha própria cama, onde na noite anterior tínhamos feito amor fogosamente. Há quanto tempo eu estava sendo traído? E por qual motivo? Ela sentira culpa, ao menos? Questões como essas me tiraram o sono por várias noites. Como eu podia ser tão apaixonado por ela? Dei tempo ao tempo, e aos poucos as lembranças iam sendo colocadas de lado.
E assim foi o fim do meu casamento, do nosso amor, da minha felicidade. Foi quando percebi que aquela canção estava costurada à nossa relação, ela tocara no dia em que nos conhecemos, e agora assumira o posto de canção do nosso término, marcado por uma traição sem compaixão.
Hoje, olho para o lado e vejo o banco vazio. Abro o porta-luvas a fim de encontrar um maço de cigarros esquecidos ali dentro. Ao empurrar coisas de um lado para o outro, encontro, ao invés de cigarros, um lencinho que ela esqueceu. Dobrado de forma cuidadosa. Pego e o aperto contra minha face, sentindo o fraco perfume que ainda exalava. Olhando com um pouco mais de atenção, vejo num cantinho seu nome bordado junto ao meu. Ao contrário da música, o lenço me remete aos melhores momentos que tivemos juntos e sinto um leve sorriso surgindo no canto da minha boca. Afinal, meu amor nunca diminuiu.

Camila Maressa 
 Maria Vivyanne
Conto produzido a partir da letra da canção brega No toca-fitas do meu carro, de Bartô Galeno

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