
Quinze minutos passaram-se,
e continuo aqui, no meio de uma ponte preso ao trânsito e aos meus pensamentos.
Sozinho. Dentro do carro, no banco de couro vermelho do meu Chevette importado,
olhando minha agenda, enquanto as cinzas do meu cigarro caem no carpete. Ligo o
empoeirado toca-fitas, que abandonei depois que tudo aconteceu. Uma canção toca
e me faz lembrar você. Aquela canção.
Patrícia era uma mulher
envolvente, tinha a pele branca e levemente bronzeada, cabelos louros e os
olhos cor de mel grandes e penetrantes. Era o tipo de mulher que sempre
conseguia o que queria. Eu fazia de tudo por Patrícia e ela me retribuía
satisfazendo todas as minhas fantasias. Seu toque era macio. E os seus lábios
carnudos nos meus me levavam à loucura. Nós tínhamos algumas discussões, mas
nada que pudesse nos abalar, pelo menos era o que eu pensava.
Voltemos um pouco ao
passado, há seis meses para ser mais exato, quando o meu amor foi jogado na
lata de lixo. Eu pensei que ela me amava, não quero acreditar que me enganei. E
a maldita lembrança se fez viva em minha mente:
Era uma terça-feira comum.
Cheguei mais cedo do trabalho, desci do carro e caminhei lentamente para a
porta de casa. Ao abrir a porta, me deparei com a blusa e o blaser de minha
esposa, tudo pelo chão da casa. Subi as escadas e vi uma calça masculina com o
cinto e, no final das escadas, avistei o som. Olhei pra baixo e vi a calcinha
da minha esposa junto à mesinha onde estava o som que tocava “a música” debilmente.
Continuei caminhando, fui em direção ao nosso quarto. Embora eu já soubesse com
o que estava prestes a me deparar, não sentia medo, nem raiva, nem decepção, não sentia nada.
Cheguei à porta do meu
quarto e, por entre a melodia, ouvi sussurros e gemidos vindos lá de dentro.
Lentamente, girei a maçaneta e, através da fenda que surgira, olhei
cuidadosamente. Não por muito tempo, mas o suficiente para assistir ao filme
que nunca mais sairia da minha mente. Através do espaço que me cedi, vi-a
beijando outra boca, com os mesmos lábios que me beijaram ao nascer do sol.
Enquanto isso, ele percorria vagarosamente toda à extensão de suas costas até
suas coxas. Ela estava tão entregue aos braços dele... O vi beijando seu pescoço, e suas mãos seguravam e apertavam os seus seios, depois desceu beijando seu
colo e seios. Escancarei a porta sem querer. Quando eles me viram, ela se
cobriu com a vergonha que sentia e rapidamente o cretino se pôs de pé.
– Eu acho melhor você sair
daqui.
“Quem ele pensa que é para me falar que eu devo sair da
minha própria casa?” Foi o que pensei quando ouvi a frase ridícula que havia
saído por entre os lábios do homem que beijava minha mulher, e eu não fazia
ideia desde quando. Só pensei, porque falar, eu não consegui. Eu só fiquei ali,
parado diante deles, e o filme ficou repassando na minha cabeça de corno. O
sangue, que antes permanecia calmo, passou a correr ardente entre minhas veias,
tive vontade de adentrar como um foguete e soltar tudo que estava sentindo com
toda a minha força.
– Seu filho da puta! Eu vou
quebrar a sua cara e arrancar seu pinto fora, desgraçado!
Dei um soco nele. Aproveitando que ele estava pelado,
chutei-o entre suas pernas, descontando toda a minha raiva e sentindo-me
vingado. Ele foi ao chão e eu quase o espanquei até a morte. Enquanto isso, ela
gritava desesperada por causa daquele imbecil. – Souza, sai de cima dele, para com isso! Você tá louco!
Você vai matar ele! Seu idiota, EU TE ODEIO!
Você, que está lendo os
devaneios de um homem traído, deve estar mesmo acreditando que defendi o meu
orgulho e descontei todo o meu ódio e fúria naquele infeliz, mas não, eu não
fiz isso, eu não explodi coisa nenhuma. Eu não soquei aquele desgraçado. Eu não
o chutei entre as pernas. Eu não o espanquei até a morte. Na verdade, eu
gostaria muito de ter feito isso, mas foi tudo fruto da imaginação. Eu apenas
dei meia volta, desci as escadas, andei até a porta e saí. Peguei o meu
Chevette e fui embora.
Não sei se me faltou coragem
ou simplesmente aceitei, só sei que as coisas ainda estavam confusas, eu não
conseguia acreditar que tinha sido covardemente traído em minha própria cama,
onde na noite anterior tínhamos feito amor fogosamente. Há quanto tempo eu
estava sendo traído? E por qual motivo? Ela sentira culpa, ao menos? Questões
como essas me tiraram o sono por várias noites. Como eu podia ser tão
apaixonado por ela? Dei tempo ao tempo, e aos poucos as lembranças iam sendo
colocadas de lado.
E assim foi o fim do meu
casamento, do nosso amor, da minha felicidade. Foi quando percebi que aquela
canção estava costurada à nossa relação, ela tocara no dia em que nos
conhecemos, e agora assumira o posto de canção do nosso término, marcado por
uma traição sem compaixão.
Hoje, olho para o lado e
vejo o banco vazio. Abro o porta-luvas a fim de encontrar um maço de cigarros
esquecidos ali dentro. Ao empurrar coisas de um lado para o outro, encontro, ao
invés de cigarros, um lencinho que ela esqueceu. Dobrado de forma cuidadosa.
Pego e o aperto contra minha face, sentindo o fraco perfume que ainda
exalava. Olhando com um pouco mais de atenção, vejo num cantinho seu nome bordado
junto ao meu. Ao contrário da música, o lenço me remete aos melhores momentos
que tivemos juntos e sinto um leve sorriso surgindo no canto da minha boca.
Afinal, meu amor nunca diminuiu.
Camila Maressa
Maria Vivyanne
Conto produzido a partir da letra da canção brega No toca-fitas do meu carro, de Bartô Galeno
.
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