segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Cadê você?

         Os anos se passam, as estações voltam, e eu ainda continuo na solidão. Já se passaram cinco anos, após a morte da minha querida Janaína. A cada momento, eu deixo uma lágrima cair na minha face, e escorre em meu rosto, pois busco em minhas lágrimas esconder toda tristeza que existe em meu ser. Janaina, vulgo Janinha, foi uma mulher da vida que conheci em uma noite de agosto. Ah! Aquela noite... Seus cabelos pretos, olhos verdes, seios fartos, coxas grossas e uma bunda de causar inveja em qualquer mulher nesta terra. Eu me apaixonei  desde a primeira vez que fui ao cabaré da “DONA”, onde Janinha trabalhava e, assim que vi aquela perfeição, não tive muito o que dizer...
-Dona, quero esta para mim. Posso levá-la comigo?
-Esta? Meu querido, esta eu não aconselho levar, ela é capaz de enfeitiçar qualquer um que quiser e - disse a Dona-, mas logo em seguida foi interrompida pelo Lucas. 
-Mas é essa mesma que eu quero, não importa o valor, eu quero ela para mim!- disse já zangado, sem saber ao menos que ela se tornaria o amor da minha vida.
Compra fechada e logo tratei de levá-la comigo para casa. Casei-me com ela e a transformei em minha mulher. A vida foi passando, e Janinha já estava se acostumando com uma vida “teoricamente normal”, pois já não trabalhava mais como prostituta. Mas como diz o ditado “os cachos sempre voltam”, eu mal sabia que os maus costumes voltariam, ela começa a me trair. Primeiro foi com o porteiro do prédio, o Rafael. A história foi assim:
-Amor, preciso sair! – disse eu, dando-lhe um beijo, e ela retribuiu.
-Está certo, amoreco!
Eu saí.
Ao retornar para casa, e chegando à portaria, escuto altos gemidos de prazer vindos do quartinho dos fundos, que era o de Rafael. Eram mais ou menos assim:
-Ai, vá depressa!
E me pus a pensar: “ Mas eu conheço essa voz”. Não queria pensar que seria ela. A outra voz parecia de locutor de fim de noite.
-Calma, que eu estou só aquecendo!
 Curioso que sou, fui em busca de descobrir quem eram. Entro vagarosamente no prédio e vou em direção ao quartinho, e aqueles gemidos não paravam. Abro a porta e...
-Não acredito! Janinha, minha Janinha, você?! - indaguei com muita surpresa.
Ela disse:
- Amoreco, posso explicar, foi ele! – e apontou para o Rafael.
- Mas eu vou matá-lo! – exclamei com muita raiva.
E essa foi a primeira de muitas outras traições. E assim foram acontecendo: com  o carteiro , David; com o Hugo, vendedor; Jorge , o padeiro; e outros que eu nem podia sequer imaginar. Mas eu, chifrudo que sou, sempre a perdoava, pois amava muito aquela mulher, a minha Janinha. Amar é isso, perdoar e aceitar o que o próximo lhe  impõe. Contudo, a minha amada não poderia ter morrido de uma forma assim tão trágica, com três facadas em seu peito.
Janinha se envolveu com o valentão da cidade, Chicão, e não deu muito certo. Minha amada Janinha partiu dessa pra melhor.
Não quero aceitar que ela partiu daquela forma, me deixando mais uma vez na solidão. Após sua morte, me dei conta de que havia perdido a minha própria vida, e sempre  estava a me perguntar:
-Cadê você?
Fui capaz de perdoá-la tantas e tantas vezes, por traições e mais traições. Por que tinha partido assim? E agora: o que tenho a fazer, senão me afogar nas minhas próprias lágrimas? Tempos após a sua morte, eu sempre ia ao cemitério e, todas as vezes, levava flores, chorava e também cantava. Fazia isso na esperança de que ela voltasse, mas ela nunca voltou.

Letícia Amorim
Érica Lima

Conto produzido a partir da letra da canção brega Cadê você?, de Odair José .



A última canção

     Em alguns finais de semana, Cláudio costumava cantar a noite inteira em uma festa com uma banda que era bastante conhecida na cidade. Lá do palco, ele observava as pessoas dançando ao som da sua voz. Todos amavam as músicas dele, pois cantava de um jeito diferente, passando sinceridade através de suas músicas. Nos finais de semana, em que a banda não se apresentava, Cláudio aproveitava para curtir a festa, conhecer novas pessoas e conversar com os amigos.
           Em um desses finais de semana, ele conheceu Jenifer, ela era uma moça jovem, sua beleza chamava atenção de quem passava e parecia ser nova na cidade. Cláudio nunca a viu em nenhuma festa antes. Ao vê-la, sentiu algo diferente em seu olhar e sentiu uma enorme vontade de ir falar com ela, mas não fez isso de imediato.
Em outro final de semana, Jenifer novamente estava lá, e então Cláudio decidiu falar com ela. Ele se arrumou bastante nesta noite para ir até ela, perguntou o seu nome e puxou assunto para conhecê-la.
Ao final da festa, ela parecia bastante interessada em Cláudio. Ele falou que no final de semana seguinte, sua banda iria tocar e que ele tinha uma música especial para ela. Cláudio mentiu. Mas não podia perder a oportunidade de expressar seus sentimentos com o que ele sabia fazer de melhor através de uma canção.
Ele passou a semana inteira compondo a música. Ao chegar o fim de semana, como de costume, ele foi ao local uma hora mais cedo para organizar todo o equipamento junto com a banda.
A festa estava prestes a começar, e o nervosismo aumentava a cada minuto. Cláudio nunca se sentira tão nervoso ao cantar em uma festa. Estava prestes a expressar todo o seu amor por alguém que conhecera há uma semana, apostando todas as suas fichas nesse amor. A banda já tinha começado a tocar quando Jenifer chegou. Ela sentou com seus amigos e ficou curtindo a festa. Cláudio não tinha visto Jenifer, mas sabia que ela estava lá, então ele chamou a atenção de todos e dedicou uma canção especial a uma moça, também especial.
Enquanto cantava a música que passou a semana inteira escrevendo com toda sinceridade que podia, ele varria a plateia à procura dela, mas só ao terminar a música ele a encontrou. Viu Jenifer aos beijos com outro cara e  foi como se o mundo estivesse desabando. Cláudio não sabia o que fazer. Não sabia disfarçar a mágoa que sentia. A mulher a quem ele dedicou seu tempo para escrever uma única canção estava aos beijos com outro homem ao som dessa mesma canção.
Jenifer percebeu o que tinha acabado de fazer, que quem estava cantando era Cláudio e que a música fora cantada especialmente para ela, mas era tarde para dar explicações, ele já tinha saído do palco, escondendo a vergonha que sentia daquele momento.
Depois do ocorrido, ele foi direto para casa, sem olhar para trás. A cena de Jenifer nos braços de outra pessoa doía bastante ao lembrar. Por isso, Cláudio decidiu não mais voltar àquela festa, mas antes ele tinha que fazer algo.
Ele novamente expressou seus sentimentos para Jenifer compondo uma nova música, mas dessa vez não foram palavras de amor, eram palavras de adeus. Então Cláudio gravou uma fita, em casa, e mandou para ela com o título de “A última canção”.

Vincius Souza
Emanoela Medeiros


Conto produzido a partir da letra da canção brega A última canção, de Paulo Sérgio. 

Cadeira de rodas

Nunca havia esperado da vida grandes coisas. Também nunca fui de almejar grandes feitos. Sempre levei uma vida pacata, como sujeito simples. Não por ter sido posto a isso, mas por escolha própria.
Tudo, absolutamente tudo que sempre procurei foi um amor verdadeiro. Meu coração clamava por um pouco de poesia na vida. Toda essa minha solidão e descontentamento teve fim ao conhecer Ana. A criatura de mais sublime beleza que meus olhos já houveram de mirar.
Tinha a pele alva como a neve dos grandes Alpes. Seus cabelos recaíam perfeitamente sobre a face. Seus olhos... Ah, aqueles olhos! Ora tão tristonhos e sem alegria, ora doces e vibrantes ao me verem passar. Aqueles olhos que inspiravam toda a felicidade em mim. Me rasgavam a alma ao vê-los dissolver em lagrimas durante todo e cada alvorecer.
   Todos os dias, lá pelas cinco da tarde, eu passava pela Rua Augusta. Só para ver a minúscula boca de Ana se abrir num sorriso para mim. Aquela menina era a felicidade que eu tanto havia esperado. Em toda a vida jamais tinha visto tanta doçura e desolamento em um só olhar.
Em quase todas as tardes, minha pequena Ana recolhia-se à porta de sua casa, presa a uma cadeira de rodas. Eu a fitava de longe, como um forasteiro curioso. Ela sempre com aquele semblante triste, que só revigorava ao me ver passar todas as tardes. Eu sabia que eu era sua felicidade, assim como ela era a minha, mas não sabia como, nem por onde confessar-me.
   Arquitetei inúmeros planos, envolvendo telefonemas inesperados, flores, dentre todas as tantas coisas tidas como românticas, mas nada disso parecia fazer sentido para mim. Resolvi que iria falar com ela na próxima tarde e contar todos os suplícios desesperados de amor contidos em meu peito.
   Chegada a tarde, fiz todas as minhas atividades habituais. Me vesti e me direcionei à Rua Augusta, afoito para ver minha pequena. Pretendia lhe jurar amores e cantar toda a sinceridade do meu sentimento idealizado até o fim do crepúsculo.
   Ao chegar, estranhei não vê-la sentada à porta. Bati diversas vezes, chamei, sem sucesso algum. Um vizinho que passava com uma sacola cheia de pães quentes e recém-saídos do forno, me informou que todos que ali habitavam, inclusive minha Ana, haviam partido com destino incerto e desconhecido.
Me desesperei. Os meus olhos choravam a agonia de perder um amor tão grande, que nem pôde se concretizar. Hoje, com todas as rugas e a casmurrice que os anos me ofertaram, perpetuo a sombra de minha angústia, desolação e pranto, na lembrança de haver deixado a única alegria e faísca de vida que a existência me oferecera.

   O destino fez-me cativo de lembrar de minha Ana sorrindo para mim, em sua cadeira de rodas, para todo sempre. Rogaria a Deus que me fizesse iválido, a fazer-me refém de um amor não vivido. 

Ângela Rayane
Tainan Medeiros

Conto produzido a partir da letra da canção brega Cadeira de rodas, de Fernando Mendes.

 

Aparências

 


        De toda a casa ouvia-se o som nas alturas. A mulher já não aguentava mais. Foi até o quarto e lá começava mais uma briga.
- Filho de Deus, desligue esse som por caridade! Todo dia é a mesma coisa!
- Minha senhora, sou eu que pago a conta de energia, portanto não venha falar merda. Deixe de implicância!
- Então abaixe esse volume, condenado! Eu não aguento mais escutar Belchior.
- Eu abaixo se eu quiser! Vá lavar a roupa, que é o melhor que você faz.
Ele disse:
- Solte essa faca, Garibalda! Você não tem noção da besteira que está prestes a fazer?
- Besteira? Besteira é ter uma vida e um casamento baseados em brigas e sofrimento. Não passamos de um casalzinho fingido.
- Eu sei que nós discutimos muito, mas ainda nos amamos. No fundo, você sabe disso.
- Depois da morte do nosso filho, eu não sei de mais nada, Josenildo. Acho que só não quis me separar de você ainda, porque sei que o nosso menino não iria gostar de ver seus pais separados e, como diz minha mãe, depois dessa casa, eu só tenho a rua, pois ela é pública. Essa é a verdade!
            - Vamos deixar o nosso passado um pouco de lado, Garibalda. Já passamos e ainda enfrentamos momentos difíceis, mas eu tenho esperança de que as coisas entre nós vão melhorar. Nosso filho ficaria feliz com a nossa felicidade. Pense nisso.
Garibalda soltou a faca e saiu chorando. Entrou no quarto e falava sozinha. “Meu filho. Foi embora tão cedo, junto com a minha felicidade e o meu casamento”. (...).
Já preocupado com sua mulher, Josenildo vai até o quarto em busca de uma solução para os seus problemas.
- Me diz, Garibalda. Já temos anos de casados e depois da morte do nosso filho tudo é a mesma coisa. Então, por que não temos outro filho? Tudo pode voltar a ser como era.
Chorando, Garibalda diz que só de pensar que pode perder um filho novamente, ela sente uma agonia.
No meio da conversa, ouve-se um barulho, ou melhor, um choro. Josenildo vai até a porta e se depara com um bebê dentro de uma cesta.
Ele pega a criança e a leva até o quarto, onde está Garibalda.
            - Está aqui. Ganhamos outro filho e uma chance de sermos felizes novamente. Deixaremos de ser um casal fingido que muito dorme e pouco transa.
            Garibalda dá um sorriso, depois de anos sem sorrir. Com os olhos cheios de lágrimas, ela diz:

- Tudo voltou. Tudo voltará a ser como antes. Tudo.

Jéssica Sayonara
Hugo Araújo

Conto produzido a partir da letra da canção brega Aparências, de Márcio Greyck.

Arma de vingança




        Casal de fundo de porta-retratos recém- comprado, sorrisos sinceros, lugares exóticos, alegria estampada em cada traço do rosto. Papel rasgado diante dos meus olhos, quando a moldura já não aguentava mais tantas mentiras.
- Nossa, Diego, acho que você engoliu um livro de filosofia com Aristóteles e tudo.
- Mas foi assim, Mônica. Ainda não me conformo com tanta discórdia. Ela deveria ter me contado.
O culpado disso tudo foi você...
Diego sai do sofá e foge para o quarto. Deitado na cama, olha para o lençol e vê uma mancha do chocolate derramado naquela noite em que passara a madrugada inteira jogando e comendo besteiras com Beth.
Ela sempre foi a mulher dos seus sonhos. Certo dia, em uma festa de 15 anos de sua prima, Diego conheceu Beth e se encantou pela primeira vez em que fitou seu sorriso. Depois de muitas conversas, eles se tornaram amigos íntimos, e Diego começou a se embaraçar pela garota. Beth, embora gostasse muito dele, nunca pareceu demonstrar nada além de amizade, mas sempre o tratou com muito carinho e atenção. Porém, um dia, Diego pediu ela em namoro com uma declaração genial, e ela, deslumbrada diante daquela cena, aceitou. Mas fez isso apenas da boca pra fora.
O que posso fazer por você, meu benzinho? – pergunta Mônica, entrando no quarto com uma voz meiga.
- Nada... não sei mais o que fazer. Poxa, Mônica, se ela queria apenas a minha amizade não deveria ter aceitado meu pedido de namoro. Eu tinha tanta certeza que ela gostava de mim...
- Talvez goste de você, mas seja burra demais pra reconhecer isso. De qualquer forma, você sabe que pode contar comigo pra o que precisar. Tudo mesmo.
Obrigado, Mônica. Só não quero que ela saiba que estou sofrendo. Quero mostrar o contrário do que ela pensa sobre mim.
Diego pensa um pouco sobre si e reflete sobre suas atitudes, mas por um momento, começa a observar Mônica, que estava deitada no sofá à sua frente, lendo um livro de ficção com uma capa bem interessante. Silhueta bem definida, pele rosada, coxas medianas, cabelo preto azulado, nariz afilado, e uma pequena mancha no braço. Mônica era uma garota moderna que sempre se vestia bem.
Diego, embora distraído, observava seus modelitos e, numa visão geral sobre ela, questionava para si mesmo o porquê de ela nunca aparecer com algum namorado. Por opção, talvez. Quando queria perguntá-la, não sabia como abordá-la e pensava em outra coisa. De qualquer forma, Mônica era uma garota muito atraente.
- Hm...veja bem, você é muito bonita. Bem que poderia me fazer companhia na confraternização de sábado à noite – fala Diego, como se fosse um comentário descontraído qualquer, mas com um convite em aberto.
Mônica inicialmente não gostou muito da ideia, mas viu que seria uma boa oportunidade de tentar fazer Diego esquecer aquilo tudo.
Desde que o conheceu, nos estágios do curso de gastronomia, sempre sentiu uma leve atração por ele e gostava de ficar observando-o passar pelos corredores da cozinha com seus pratos majestosos, todas as vezes soltando elogios e parabenizando-o.
Diego sempre foi “mão cheia” para cozinhar, e Mônica, era a degustadora oficial de suas novas criações. Porém ela não estava naquele dia para provar um novo prato francês ou uma nova sobremesa, e sim para ouvir os seus lamentos.
Mônica era do tipo amiga, conselheira e companheira. Se Diego estava em um lugar, Mônica estava por perto. Ela sempre fora motivo de briga entre Diego e suas namoradas, uma vez que, nenhuma delas aceitavam a sua intimidade com ele.
- Não és o primeiro que me elogia, Diego. Como seu convite foi tão brega, vou pensar na sua proposta. – Mônica quis dizer sim.
Chegando no sábado à noite, Diego vai de carro até a casa de Mônica e fica aguardando por um longo tempo. A rua estava bem movimentada naquela hora. Luzes, carros, pessoas e uma boa música no player do carro, deixava Diego enérgico e ansioso.
Quarenta minutos depois, Mônica sai com um visual deslumbrante. Vestido preto, discreto e elegante, com detalhes dourados que harmonizavam com sua carteira de mão.
Diego sai do carro e abre a porta para ela, mas não porque ele era um cavalheiro, bom, talvez, mas somente pra, de forma hilária, demonstrar para ela que estava encantado com tamanha beleza.
- Diego, que calças horríveis são estas? Pegou do seu avô?
- Desculpa se não estou à sua altura, rainha da Inglaterra. Posso me socializar um pouco?
          -  Você está bonitinho, falta só um babador.
          Mônica dá umas risadas.
- Ah, que ótimo! Vamos logo. Sua pré-produção me custou 20 minutos de atraso. Será descontado na próxima.
Os dois vão conversando muito durante a viagem. A música, os sorrisos, as conversas, criam um clima bem divertido entre o casal. Diego, por um momento, se desprende do mundo e começa a perceber que Mônica tem lábios muito sedutores. Estranha por nunca ter sentido aquilo antes, mas isso pouco importava. Em um semáforo, no meio do caminho, puxa seu smartphone do bolso e tira uma foto com ela.
Eles ficam observando a imagem por um momento, olhando um para o outro, sorrindo. E, em um determinado segundo, se atracam em um beijo estranho, daqueles sem intenções no primeiro instante, mas que vai criando sentido nos segundos seguintes.
Chegando ao local da confraternização, Diego reconhece os amigos de longe e cumprimenta-os antes de entrar. Mônica, agarrada no seu braço, dá apenas alguns sorrisos diante das perguntas do tipo - “namorada nova?” – ouvindo como resposta - “Não, não. Apenas uma amiga”.
A casa do seu amigo Rubens era muito grande, e sempre era escolhida para a confraternização semestral da empresa na qual Diego trabalhava.
Entrando na sala, ele fez uma varredura visual do lugar, reconhecendo todos que estavam ali. Na poltrona do canto esquerdo, estava Beth, sentada de pernas cruzadas. Ela estava muito diferente: cabelos com mechas, levemente ondulados nos ombros, mais magra, sobrancelha bem feita; parecia mais vaidosa. Diego procurou não olhar muito, mas compensou tudo em seus pensamentos.
Mônica fez exatamente a mesma coisa, entretanto, ao ver Beth, criou um leve receio de que Diego fosse ter alguma recaída. Apertou seu braço e o puxou para a cozinha, onde estava uma amiga que reconhecera assim que entrara na casa.
- Mônica, você por aqui!?
- Michele! Não sabia que viria. Onde está o Emanoel?
- Lá atrás, preparando o churrasco... Diego, é bom te ver também!
           - igualmente, Michele – responde Diego, um pouco tímido – Vou aqui tomar um ar. Deixarei vocês duas conversando. Volto já.
Mônica se irritou consigo mesma, mas não pôde evitar que Diego saísse. Michele gostava muito de conversar, e Mônica não tinha coragem de interromper a conversa.
Lá fora, Diego sentou na cadeira que tinha no terraço. Havia muita grama e algumas roseiras fazendo o contorno do espaço.
Mais à frente, tinha um dálmata preso numa casinha, e a vasilha de ração parecia vazia há muito tempo. Ao olhar de lado, avista Beth.
- Você está namorando a Mônica?
- Beth? Resolveu falar comigo?
- Desculpa, Diego, eu fui idiota contigo. Precisava de um tempo sozinha e, nesse tempo, percebi o quanto você me faz falta.
- Um pouco tarde, não?
- Não sei. Quando soube que viria, fiquei muito ansiosa para te ver. Achei que seria um bom momento para te pedir perdão.
- Você não imagina o quanto eu sofri, Beth. Você me deixou sem pensar duas vezes. Não se preocupou comigo em momento algum. Te esperei por semanas e você nem respondeu minhas mensagens. E quando eu finalmente supero tudo isso, você vem me pedir pra voltar?
Beth interrompe Diego e rouba-lhe um beijo. Na mesma hora, Mônica flagra os dois e fica paralisada por um instante. Quando Diego abre os olhos e percebe a situação, empurra Beth.
- Mônica, me desculpa! Eu não queria...
- Chega, Diego! Eu deveria saber que você faria isso mais cedo ou mais tarde. Mas jamais imaginaria que fosse justamente hoje! Arma de vingança? É isso que eu sou pra você, Diego? Eu me ofereço pra cuidar de você e é assim que eu sou retribuída?
- Mônica, você entendeu errado...
- Nada disso. Entendi, e muito bem! Você sabia que ela viria e me convidou mesmo assim. Muito obrigada, Diego. Só espero que você seja feliz.
Mônica sai apressada do terraço e foge para a rua. Diego tenta ir atrás dela, mas Beth o segura e pede pra ele ficar.
No mesmo instante, um barulho de estilhaços ecoa. Todos saem correndo para ver o que aconteceu. Diego se desespera, solta Beth e vai até o local.
Mônica havia jogado uma grande pedra no vidro do seu carro. Diego se assusta com a situação, mas fica tranquilo por não ter acontecido nada pior. Imagina que um vidro quebrado não paga a decepção que ela teve.
Embora ele quisesse ter corrido atrás dela, Beth era seu grande amor. Mônica merecia alguém menos confuso que ele. Alguém que valorizasse o seu carinho, que desse atenção em todos os momentos, não só nas horas de solidão. Diego não quis usá-la para reconquistar Beth, não planejadamente, mas já previa que ela fosse se arrepender quando visse ele com uma garota bonita, mesmo que fosse sua amiga. Diego já sabia de tudo desde o começo.
Mônica se foi. Na outra semana, Beth também. Diego ficou sozinho novamente, mas agora sem Mônica.
Mentira. Essa história não vai acabar assim. Na verdade ela nem começou.
Diego toma um susto. Mônica ainda estava na sua frente deitada no sofá lendo seu livro estranho de ficção. Ele mexe os olhos para os lados, situando-se no espaço, e tentando voltar ao normal. Mônica, tão meiga e tão gentil, se espreguiça e levanta do sofá. Vai até Diego e beija-lhe na testa.
           - Você está melhor?
- Acho que sim.
- Quer que eu faça algo para você comer?
Diego fica calado por um instante. Observa Mônica por um tempo e puxa ela pra cima dele.
- Mônica, Mônica. O que seria de mim sem você...
Depois de dizer isso, Diego dá um selinho de leve, mas quando sente o quanto Mônica revira seus sentimentos, segura ela pela cintura e a beija com todo carinho.

Raddson Ricelle
Jonathan Gabriel

Conto produzido a partir da letra da canção brega Arma de vingança, de Carlos Alexandre.


Deixe essa vergonha de lado



Tudo começou em uma chuvosa noite de verão. Meu pai, que era viciado em jogos e apostas, gastou cada centavo que tinha e faliu nossa família, fugiu e deixou-nos atolados em dívidas. Minha mãe se esforçou, trabalhou horas e horas para dar a mim tudo que eu queria ou precisava, mas não foi o bastante. Um ano depois, lá estava eu, trabalhando como “empregadinha” de uma família muito rica, comecei a viver lá. Escondi que era empregada de todos os meus conhecidos, precisava ter cuidado... De jeito nenhum eu iria contar que era uma simples empregada, serviçal, plebeia. O que pensariam de mim?
Frequentava a escola e conversava com meus colegas como de costume, a única diferença era que agora eu não tinha mais tempo para curtir com eles, nem tempo, nem dinheiro. Outra coisa que também não mudou foi o fato de ter que me encontrar com o André todos os dias. Sério, não sei o que aquele menino tinha, achando que podia conseguir tudo que queria e que tinha moral pra tudo... Ah, faça-me um favor! Não sei como ele ainda não tinha sido expulso da escola. Quando éramos crianças, ele escondia minhas coisas, me jogava na piscina, me derrubava dos brinquedos...
Sem falar que, há dois anos, ele conseguira me chantagear para fazer os trabalhos dele por dois meses. O pior é que eu estava com as mãos atadas. Não podia me atrever a dedurá-lo ou me vingar (como quero). Se o fizesse, a “gangue” dele iria dar um jeito em mim. Parecia que ele tinha prazer em fazer crianças chorarem. Mas eu não tinha tempo pra me importar com quem não valia a pena.
Depois da escola, ia buscar Lucas, o filho da família para quem trabalhava. Na escola, ele tinha apenas 8 anos, era um amor de menino. Era lindo vê-lo brincar no parque sempre que voltávamos da escola. No resto do dia, eu trabalhava e à noite fazia meus trabalhos de casa. No outro dia, começava tudo de novo...
Já estava acostumada com a rotina, quando, sem motivo algum, recebi uma visita indesejada. A campainha tocou e, quando abri a porta, encontrei ninguém menos que André, com uma desculpa esfarrapada, dizendo que minha correspondência fora parar na casa dele. Disse-me que precisava de um favor, eu ignorei e o mandei ir embora, mas ele voltou e insistiu. Concordei. afinal, parecia ser a única forma de ele me deixar em paz.
Nos encontramos novamente dois dias depois, e seu pedido realmente me deixou surpresa. André pediu-me que fingisse ser sua namorada por um tempo. Quando perguntei por que eu faria isso, ele simplesmente jogou mais uma de suas chantagens: “Eu sei que essa casa na qual você diz morar não é sua. Sei que você tem um quartinho lá no fundo, que o menino que você chama de “irmão” é o filho dessa família”. Perguntei o motivo, e ele disse que era para ajudar um amigo, que estava tentando conquistar uma garota. Basicamente, seria um encontro armado. Fui obrigada a aceitar, pelo meu orgulho.
Não conseguia acreditar que ele havia descoberto. A única coisa que me assustava mais do que a possibilidade dos meus amigos e colegas descobrirem, era André descobrir.
Uma semana se passou e aquele fingimento não acabava, eu já não aguentava mais passar nenhum minuto perto daquele idiota. Certo que não precisávamos nos beijar nem nada assim, mas já estava se tornando cansativo fingir que gostávamos um do outro.
Ao menos ele respeitava meus horários de trabalho. Nos últimos dois dias, ele inclusive fora comigo buscar o Lucas na escola e, na volta, paramos para brincar. Era estranho, eu, que sempre pensei que ele gostava de fazer criança chorar, estava, agora, vendo-o se divertir com aquele menininho.
Duas semanas se passaram. Eu já tinha me acostumado com a situação, mas ainda era difícil me convencer de que ele estava tentando ajudar alguém. Seu amigo, o que tentou conquistar a menina, estava feliz e me agradeceu por ajudá-lo. Por um minuto comecei a me sentir parte daquela turma. Não parecia nada violenta ou perturbadora comparada à que eu via nos dias comuns de aula. Eram como simples adolescentes inconsequentes como qualquer outro.
Depois de três semanas, finalmente, os dois ficaram juntos. O fingimento iria ter fim. Não sei ao certo o que houve, mas eu já havia mudado minha opinião sobre cada um deles. Havia se tornado divertido passar um tempo ali entre eles. André me chamou, e eu o segui até um corredor vazio.
- Tudo bem agora, pode ir. – Disse ele.
- Só isso? Nem um obrigada? Nada? – Perguntei.
- O que mais você quer? Não vou contar seu segredo para ninguém.
- Não tem mais nada a me dizer?
- Tenho, até tenho.
- Então diga!
- Tudo que eu tenho a dizer é que você deveria deixar essa vergonha de lado.
Isso foi tudo que ele me disse. Virou-se e foi embora. Voltei para a sala e a aula começou. No meio da explicação, lembro-me de algo que estava a incomodar-me. Peguei um pedaço de papel e lá escrevi: “Por que me escolheu para ser sua namorada fajuta?”
O papel passou de mão em mão até chegar em André. Logo o papel retornou com a resposta, e o que li me surpreendeu ainda mais do que o estranho pedido. No papel, estava escrito: “Porque se eu precisava fingir namorar alguém, ao menos gostaria que fosse com alguém que amo.”

Ruty Rocha
Júlia Campos

Conto produzido a partir da letra da canção brega Deixe essa vergonha de lado, de Odair José.





Sendo assim



Como de costume, Rogério, ao chegar do trabalho, corre logo até a escrivaninha da cozinha, a fim de checar o que há para ele por lá. Sim, ele tem uma escrivaninha na cozinha, pois Rosângela, sua esposa, exigiu que ele comprasse uma para a sala, uma para o quarto e outra para a cozinha. Além de, apenas este mês, ter comprado 2 celulares, por achar que o que ela tinha já saíra de moda.
Ficou em dúvida em qual levar e comprou dois. Nesta semana, Rosângela, consumista como é, também comprou duas televisões de 48 polegadas, diversas roupas, mais de 10 pares de sapatos. Rogério já estava ficando louco.
A escrivaninha da cozinha está sempre cheia de avisos, ou cartões, ou correspondências deixadas pela empregada da “família”, Gorete, que sempre faz o favor de organizar tudo por lá, para que Rosângela não encontre nada fora de ordem.
O que mais preocupa o dono da casa, na hora de checar a escrivaninha, são as correspondências que ele encontra todo dia por lá. Despesas com a casa, dívidas em lojas de roupas, lojas de sapatos, lojas de bijouterias, mais contas, às vezes um aviso de cartão estourado...
Certa vez, Rogério entra na cozinha e encontra Rosângela, em vez de Gorete.
Ela estava muito animada vendo uns novos vestidos na revista da Vogue. Isso o deixou muito irritado. A mulher não se conformava com tudo o que tinha. Já não bastava o closet imenso, que tomava quase todo o segundo andar da casa, ela queria mais, sempre mais.
“Amoooor!” Diz ela, feliz.
“Oi, amor”
“Olha que vestido lindo! Achei a minha cara. E eu não tenho nenhum nesse tom de cor. Compra pra mim?”
“Vamos ver a possibilidade, já temos muitas dividas e...”
Ela o interrompe: “Amor, olha só esse outro vestido, tem até pedrinhas de brilhantes. Compra, amor, vai!”
“Ok, amor, verei isso mais tarde, agora preciso de um belo banho e um café. Gorete!” Ele grita. “Tem café pronto?”
“Tem sim, Seu Rogério, está em cima da mesa.”
Rogério resolve então que, no outro dia, terá uma séria conversa com Rosângela. Ele quer decidir como vão ficar as despesas. Está tudo muito pesado para ele pagar sozinho. E ela cada dia chega com uma nova conta, um novo cartão estourado, uma nova roupa.
Ele está só esperando ela comprar uma nova casa e ir embora, pois assim será melhor, ele já não aguenta mais. Quando ele chega em casa, no dia seguinte, vai diretamente para a sala conversar com ela.
“Amor, precisamos conversar”. Diz Rogério, apreensivo, sentando-se no sofá.
“Ok, Amor, mas antes olha que brincos lindos!”  Diz ela ainda, após fechar a revista que estava olhando.
“Amor, é sério. Nossas despesas estão cada vez mais altas, não consigo conciliar os gastos com o meu salário. Estou devendo em várias lojas, principalmente de roupas e acessórios. Gostaria de dar um basta nisso. Quero que você pare de gastar um pouco. Pelo menos até eu conseguir pagar todas essas contas que estão pendentes. Os juros estão altíssimos. Meu salário não é lá isso tudo, você sabe. Queria a sua cooperação nessa tarefa.”
“Ah, Rogério, por que você não disse isso antes? Estou e estarei sempre do seu lado. Quando precisar e estiver difícil, fale comigo. Não demore tanto da próxima vez. Te entendo perfeitamente e te ajudarei nessa tarefa. Não se preocupe”. Abaixa e o beija os lábios.
Dois meses se passaram sem preocupações sobre compras e gastos na casa deles. Rogério já estava até acostumando: chegava em casa e encontrava apenas duas ou três correspondências em cima da escrivaninha da cozinha. Sempre perguntava a Gorete se ela não escondera nenhuma. De início ficou meio assustado, mas depois das duas semanas já podíamos até ver um sorriso no seu rosto. Chegava em casa cantarolando, feliz da vida, por saber que estava conseguindo pagar todas as suas dívidas.
Ele abriu mão de ir assistir ao jogo da final no Young’s, de comprar uma nova televisão para acompanhar seus programas. Mas conseguiu saldar metade das dívidas.
Parece que o sossego de Rogério só durou dois meses. No fim do segundo mês, ele chegou em casa e viu um carro novinho na garagem. Era um Nissan March, cinza, modelo 2014.
O carro era lindo e extremamente caro. Rogério pensou logo que tinha alguma visita em sua casa. Mas quem os visitaria assim sem avisar? Seria a sua sogra? Ele pensou logo que não, com um carro daquele não poderia ser ela. Só tinha uma maneira de descobrir: entrando na casa e vendo quem era a tal pessoa.
Abre a porta, olha na sala de espera e não vê ninguém. Vai direto para a cozinha, como de costume, e lá só encontra Rosângela e Gorete. Rosângela se levanta de relance e vai logo ao seu encontro:
“Amor, você viu que lindo?”
“Vi sim, achei que tinha alguém aqui em casa, visitando.”
“Não, amor, eu comprei para você” Fala ela, com orgulho.
“Comprou? Para mim? Por quê?”.
“Você merece, amor, está conseguindo se livrar das contas rapidamente.”
“Como você comprou isso? Pelo que eu sei, você não trabalha, então não tem seu próprio dinheiro para me dar um presente.” Diz ele, alterando o tom de voz.
“Ah! Ia esquecendo, está aqui, Amor, todos os documentos para você conseguir fazer o seguro do carro.”
“Rosângela! Olhe só o preço dessa coisa. Isso não é um carro! Meu Deus, você não entendeu direito o que eu pedi, não foi? Tá pensando que dinheiro cai do céu? Você nunca entende nada, não é? Eu pedi pra você parar, PARAR de gastos, e você disse que iria cooperar”
“Amor, des...desculpa. Não foi a intenção. Eu te vi tão feliz por conseguir superar tudo. Achei que não iria se importar, que iria gostar do presente. Afinal, é um carro bonito.” Diz, quase chorando.
“Bonito! Sim, o carro é bonito. Muito bonito e caro! Tá vendo aquela mesinha ali?” Aponta para a escrivaninha da cozinha. “A partir de amanhã, ela estará cheia de novo, e o que você acha que isso significa? Mais dinheiro pra comprar suas porcarias é que não é. Me poupe, Rosângela”
“Amor, calma, a gente pode...”
“A gente não pode nada. Sabe o que eu posso fazer? Ir embora daqui, pois eu não aguento mais nada disso. NADA! E não ouse tentar me impedir.”
Rogério sobe, vai até o quarto e arruma sua mala com tudo que precisa e sai. Ele não aceita o carro. Quando chega à porta, lágrimas brotam em seus olhos, o que faz com que sua visão fique embaçada.
Ele se pergunta se aquilo era realmente o melhor a fazer. Deixá-la, deixar sua família, sua casa. Ele a ama, mas não o disse. Ele já sente saudades. Mas fez uma escolha e não quer voltar atrás. Ele não queria deixá-la, mas sabia que era preciso. Após sair pela porta da frente, anda cinco metros, vira-se pra trás e vê sua esposa na porta aos prantos. Dá uma boa olhada em tudo que tinha conseguido até aquele momento de sua vida, vira-se e parte deixando tudo para trás.

Gerardo Neto
Rafael Cardoso

Conto produzido a partir da letra da canção brega Sendo assim, de Genival Santos.