quinta-feira, 9 de março de 2017

A bênção, tio?

     Minha primeira vez foi numa casa de praia da minha família. Eu havia acabado de completar 12 anos. Meus pais e minha tia saíram para jantar. Fiquei sozinha na casa. Bom, sozinha não. Eu e meu tio. Ele me levou para seu quarto. Meu tio era um cara bacana. Ele ia ao culto todo domingo. Era um bom vizinho. Levava meus primos à escola. Até participava das reuniões. Cedia seu lugar no ônibus para os mais velhos. Era uma boa pessoa. Ele gostava de crianças. Gostava de meninas. Mas não era um estuprador. Não era um pedófilo. Não faria nenhum mal a sua sobrinha.
     A segunda foi na casa de meus avós. Era domingo. Dia de almoço em família. Eu disse que não queria. Ele não ligou. Disse que era só um carinho. Eu gritei. Ninguém escutou. Estavam comendo. Estavam sorrindo. Estavam falando da nova obra de caridade do meu tio. Ele ajudava as crianças. Eu era uma criança. Ele não me ajudava. Ele me batia. Mas, porra, ninguém me ouvia!
     Decidi contar a minha mãe. Ela me amava. Ela entenderia. Mas ela também amava meu tio. Será que me escutaria?
     Meu pai era meu protetor. Ele me amava. Ele entenderia. Mas ele jogava futebol com o meu tio. Chamava-o de irmão. Será que me escutaria?
     Minha tia também me amava. Não tinha mais opção. Ela me escutaria. E ela me escutou. Mas não se importou. A culpa era minha. Quem mandou ser exibida? Quem mandou ser tão bonita? Quem mandou ser tão vulgar com 12 anos? Quem mandou? Hein? Você é só uma menina. Nunca ajudou ninguém. Nunca deu seu lugar aos mais velhos no ônibus. Nunca foi ao culto no domingo. Nunca fez nada! Então trate de ficar calada.
     Medo. Eu só sentia medo. Dor. Meu corpo estava imerso em dor. Nada. Eu me sentia um nada. Rosa. Era a cor dos comprimidos em minha mão. Coragem. Era o que me faltava. Nos meus pais eu pensava. Por minha vida eu chorava. E a Deus eu orava. Mas nada disso importava. Eu não valia mais nada. Havia sido maltratada. Abusada. Humilhada. Desumanizada. Eu já estava cansada.
     Amargo. Era o gosto da droga em minha boca. Mas não mais amargo do que a dor. Nada era mais amargo do que a dor. Precisava fazer parar. O sofrimento tinha que acabar.
     E acabou.

Ana Caroline

Milene André

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