A segunda foi na casa de meus avós. Era
domingo. Dia de almoço em família. Eu disse que não queria. Ele não ligou.
Disse que era só um carinho. Eu gritei. Ninguém escutou. Estavam comendo.
Estavam sorrindo. Estavam falando da nova obra de caridade do meu tio. Ele
ajudava as crianças. Eu era uma criança. Ele não me ajudava. Ele me batia. Mas,
porra, ninguém me ouvia!
Decidi contar a minha mãe. Ela me amava.
Ela entenderia. Mas ela também amava meu tio. Será que me escutaria?
Meu pai era meu protetor. Ele me amava.
Ele entenderia. Mas ele jogava futebol com o meu tio. Chamava-o de irmão. Será
que me escutaria?
Minha tia também me amava. Não tinha mais
opção. Ela me escutaria. E ela me escutou. Mas não se importou. A culpa era
minha. Quem mandou ser exibida? Quem mandou ser tão bonita? Quem mandou ser tão
vulgar com 12 anos? Quem mandou? Hein? Você é só uma menina. Nunca ajudou
ninguém. Nunca deu seu lugar aos mais velhos no ônibus. Nunca foi ao culto no
domingo. Nunca fez nada! Então trate de ficar calada.
Medo. Eu só sentia medo. Dor. Meu corpo
estava imerso em dor. Nada. Eu me sentia um nada. Rosa. Era a cor dos
comprimidos em minha mão. Coragem. Era o que me faltava. Nos meus pais eu
pensava. Por minha vida eu chorava. E a Deus eu orava. Mas nada disso
importava. Eu não valia mais nada. Havia sido maltratada. Abusada. Humilhada.
Desumanizada. Eu já estava cansada.
Amargo. Era o gosto da droga em minha
boca. Mas não mais amargo do que a dor. Nada era mais amargo do que a dor.
Precisava fazer parar. O sofrimento tinha que acabar.
E acabou.
Ana
Caroline
Milene
André
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