Não
mesmo. Acordar todo dia antes das seis. Estou esgotado. Chegar no trabalho e
pegar a moto. Não aguento mais. Sair pela rua antes de todo mundo. Estou
exausto.
Exausto.
Com
esse enorme peso nas costas. Toda responsabilidade do mundo. Todo mundo cobra.
Não tenho mais cabeça. Estou ficando louco. Doidinho da Silva. Não vejo a hora
de bater as botas.
Não
vejo a hora.
Ainda
tem mais. Tem dias que eu nem volto pra casa. E quando eu volto não tenho
tempo. Tô com um parafuso a menos. Sem tempo. Meu trabalho me persegue. Em
casa, na TV, na praia. É uma mancha escura.
Escurérrima.
Dois
anos atrás fui numa ocorrência. O pai tinha estuprado a filha de dois anos. A
idade da minha filha. Perdi toda a fé na humanidade naquele dia. Surrei tanto o
filho da puta que o IML nem recebeu o corpo. Mandou logo queimar. Naquele dia
Deus desapareceu pra mim.
Sumiu.
Chegar
em casa depois disso. Olhar nos olhos da minha filha e ver aquela menina toda
esfolada. Fudida. A mãe era puta. Morava só com o pai. Me fez perder ainda mais
a cabeça. Já tinha desistido. Mas ainda tinha por quem ficar vivo.
Ou
só existir.
O
nome dela era Wanda, minha filha, tinha 4 anos. Era linda, parceiro. Prodígio.
Sabia somar como ninguém. Tocava flauta, parecia o flautista de Hamelin.
Minha filha.
Mas o fim foi o que
aconteceu no dia onze de setembro de 2014. Invadiram a creche da minha filha.
Mataram os funcionários e estupraram a professora dela na frente dos alunos.
Depois amarraram todos e incendiaram a creche. Minha filha tava lá.
Minha filha.
Você deva tá se perguntando:
“Cadê a mãe dessa criança?’. Morreu no parto. O médico mandou escolher ela ou a
criança. Quem disse que deu tempo? Retiraram a criança de dentro da mãe morta.
Quando minha filha morreu, minha vida perdeu sentido. Foi a gota d’água.
Era
só vazio.
Não
me importava mais em morrer. Persegui os vagabundo por anos. Achei a boca dos
cara. Matei. Queimei. E agora não tenho mais oque fazer. Só vou terminar meu
dia. E todos vão me deixar em paz. Vou me encontrar com minha família de novo.
Newton
Navarro me espera.
Dante Othon