quinta-feira, 25 de julho de 2019

Dedal da vovó



                - João, meu netinho querido, vem cá!
                - O que foi, vó Ana?
            - Me ensina a usar essa coisa aqui que comprei, quero estar mais por dentro desse mundo tecnológico
          - Vó, você comprou um celular??
          - Comprei, e comprei bem comprado! A moça disse que era o melhor da loja. E olha aqui, é da “Sanguessunga”, dizem que é uma marca boa.
          - Que bom, vó! Agora podemos colocar a senhora no grupo da família! Vão adorar a novidade. Mas, e aí? Quer aprender a usar o quê?
          - O “Dizap”, tirar “selfi”, compartilhar e, principalmente, comprar na internet.
          - Comprar? Mas a senhora quer comprar o que na internet?
          - Quero comprar um dedal para mim. Depois, vou vender minha arte mundo afora!
* 
            - Mãe, o que é um dedal?
            - Ihhh, sei não, filho. Pelo nome, deve ser aqueles negócios que usa no dedo para tocar violão.
           - E a vovó sabe tocar violão?
           - Foi ela que falou nisso? – disse o pai, Abenildo.
            - Foi. Ela queria comprar um na internet. E depois disse que queria vender mundo afora sua arte!
           - Não acredito que mamãe, com essa idade, quer sair mundo afora para tocar música! Era só o que me faltava! Eu sabia! Eu sabia que aquela história dela de pintar o cabelo de roxo, só porque a amiga da hidroginástica pintou, não ia acabar bem! Elas devem estar tramando alguma! – disse, preocupada, Gerusineide.
           - E ela sabe usar internet agora?
- Sabe sim! Eu ensinei bem direitinho!
           - Ai, meu Deus! Eu vou enfartar desse jeito! Deixa de ser retardado, João! Mamãe já vem com essas modernidades, e você ainda ensina a usar celular? É o fim do mundo mesmo, agora só vamos ver ela por meio de uma chamada de vídeo do México!
           - Só nos resta impedi-la de fazer isso! – disse o pai.
           - Vamos falar com ela. Mamãe não pode nos deixar assim, sem mais nem menos, e ainda viajar por aí com a amiga louca dela!
          Desde então, tentaram de tudo para tirar o celular da avó. Até jogar dentro da máquina de lavar tentaram, mas o “Sanguessunga” era à prova d’água. Quando finalmente iriam executar o décimo quarto plano (sim, aquele ia dar certo), ouviram o carro dos Correios chegar.
            - Dona Ana Amora?
            - Oi! - atendendo o carteiro no portão - Sou eu mesma!  
            - Está aqui sua encomenda! É um dedal, né isso? Assine aqui, por favor.
            - Isso mesmo, um dedal!
Enquanto isso, a família esperava apreensiva na sala da casa. Gerusineide espiava pela janela o que estava acontecendo.  
- Como imaginei. A encomenda é pequena, deve ser aquilo mesmo! Vamos agir como adultos e jogar isso fora o quanto antes!
- Mas isso não é agir como adulto, mãe...
Gerusineide olha para João com olhar de quem vai ter uma conversa mais tarde. Nisso, a vó chega.
- Gente, olha, meu dedal chegou! Até que enfim vou…
- Pera, pera, pera! A senhora não vai a lugar nenhum, sogrinha!
- Quê? Por quê?
- Nós já sabemos de tudo, mamãe! Pode parar com essa paranoia de dedal que sua amiga colocou na sua cabeça.
Dona Ana tem uma bela crise de riso. Quase não para.
- Tá achando engraçado é, mamãe?
- O que vocês conhecem como dedal?
- Aquele pedaço de plástico que serve pra tocar violão!
- O dedal que eu conheço é apenas esse instrumento - diz, abrindo o pacote - que se usa para proteger o dedo da agulha. Inclusive, vou fazer uns bordados bem bonitos para vender pelo zap.
- Ahhhhhh!

Daniel Victor Fernandes de Oliveira

junho de 2019


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