terça-feira, 30 de julho de 2019

Saudades do Fundamental


Estava arrumando meu quarto e achei a minha pasta, que eu usava no Ensino Fundamental. Já estava empoeirada, mas tinha algumas coisas dentro dela. Eu abri e resolvi ver cada coisa.
Assim que abri a pasta, já tinha um papel cheio de coisas aleatórias, e me veio à mente o que era: o papel que eu usava para conversar com meus amigos enquanto o professor dava aula. Me lembro bem de escrever naquele papel, amassá-lo e jogá-lo para Wilson, e ele fazia o mesmo. Jogava para Ryan, a gente ria, e a sala pensava que a gente era retardado.
A próxima coisa da pasta eram as provas, tava tudo misturado, cada prova que eu via, eu balançava a cabeça. Eram notas muito baixas: 20, 35, 40... Uma vez ou outra, um 60, um 70. Já em Matemática, a matéria que eu sempre amei, as notas eram de me orgulhar: 85, 90, 95, porém eu tinha poucos 100, 1 ou 2 no máximo, geralmente errava algo que me impedia de tirar 100.
No meu Ensino Fundamental, havia muitas brincadeiras violentas, porém de deixar saudade. Uma delas era chamada de “render”. A gente ia para a grama, e lá tinha que derrubar um ao outro e render. As regras da brincadeira eram: não valia soco, chute ou qualquer outro movimento que machuque, só valia derrubar e arrochar o pescoço, isso sujava muito a farda. Minha mãe sempre perguntava o que eu fazia para sujar a farda daquele jeito. Doía, mas deixou boas lembranças.
Depois de passar pelas provas, estava lá o papel de confirmação de inscrição dos jogos interclasse, tinha só futsal para sermos humilhados. O pior time com que a gente podia jogar era o sexto D, só tinha uns cavalões, que viviam de jogar. Lembro-me muito do primeiro jogo, o qual perdemos de dezesseis a zero. Triste, mas a gente não desistiu em nenhum momento.
E chegou o último ano do Fundamental, aulas preparatórias para o IF, muita gente nem ligando, mas eram muito divertidas, eram muitas brincadeiras no contraturno depois da aula, conversas paralelas. Foi muito bom para conhecer outras pessoas da sala que não conversavam muito. E chegou o dia de fazer a prova do IF, pessoas animadas porque iam andar de ônibus, caneta nova, lanche para levar, os que queriam passar conversavam entre si perguntando qual curso havia feito, a animação era tanta... Alguns  até diziam: “Oba, fizeste o mesmo curso que eu! Quem sabe seremos colegas…”
A realidade veio no fim do ano, apenas 11 pessoas iriam ter a redação corrigida e, por fim,  apenas duas pessoas passaram, depois mais duas nas vagas remanescentes. Foi um momento meio triste, eu e meus amigos íamos nos separar, não iríamos mais fazer trabalhos juntos, brincar de render, perder no interclasse juntos, tudo já começava a deixar saudades.
Meu Ensino Fundamental foi ótimo, pude conhecer mais que amigos, irmãos, tive pessoas em quem pude confiar, tive pessoas que, embora hoje estejam longe, permanecerão para sempre nas minhas lembranças e no meu coração. Infelizmente, porém, jamais vou voltar a conversar por meio de papel sem que me lembre de Wilson e Ryan.

José Felipe Saraiva Campêlo

julho de 2019


domingo, 28 de julho de 2019

Preconceito com os outros


 
Não, gente, é sério. Temos que parar com esses preconceitos sem ao menos conhecer as pessoas. Às vezes elas são tão legais, coitadas, e julgamos logo pela cara.

           Sim, mas ele é diferente. Olha esse bigode fino. Olha essa cara de sério pra amedrontar. Cuidado com esse meliante. Olha! Ele usa tatuagem como acessório e usa esse boné falso da Nike. Isso deve ser um pinta.

Esse rapaz não me cheira bem. Eu sei que não devo julgar assim, pela cara. Mas cuida, Juninho, guarda esse celular. Será que ele vai nos assaltar?? Ufa, era só a cara mesmo. Não que ele não seja assaltante. É, ele não é um assaltante. Tá vendo, Juninho? Não julgue pela cara.

Você viu essa mulher? Tem cara de quem é abusada. Às vezes não dá, tem gente que realmente nasceu pra ser chata. Oi, mulher. Melhore essa cara. Cara de debochada. Juninho, é a tua tia, irmã do teu pai. Ah, ela nem é tão chata, eu que julguei a coitada. Então! Vá falar com ela e peça a bênção.

Gente, olha o jeito que essa mulher se veste. Certeza que ou ela é da igreja Assembleia de Deus ou é Testemunha de Jeová. Como? Você reza três rosários por dia? Ah! Você é católica? Meu Deus, ela é católica, Juninho. Por isso que eu falo, não julgue assim. Mas é que, quando eu falo em julgar, eu falo em algo mais sério. Ela não é séria.

Não, eu não vou mais julgar pela aparência. Eu juro. Vou só comentar um pouco porque estamos sozinhos aqui. Olha esse moreninho, tão feinho, coitado. Será que ele trabalha no semáforo? Deve fazer alguns bicos e viver somente disso. Tão descuidado. Oi? Você é médico? Ah, muito prazer! Juninho, ele é médico. Mas nem é tão sério. Médicos são mais sérios. Acho que foi isso. Me confundi.

Pelo amor de Deus, eu não acredito no que eu tô vendo. Ela tá mesmo descendo até o chão com esse monte de macho ao redor? Minha Nossa Senhora... Ah, não. Assim não dá. Que vagabunda! Deve ser mais uma dessas putas que vivem nas costas dos maridos dos outros. Quem disse a você que ela é solteira, Juninho? É, realmente, ela é solteira. Ah, ela faz o que ela quiser! Mas que ela tem cara de puta... Só pode ser.

E daí se eu errei, Juninho? Todo mundo erra. Errar é humano. Quer dizer que você nunca julgou ninguém pela cara? Ah, me poupe!

Não, mas quando eu falo em não julgar as pessoas pela cara, eu falo nas mais sérias. Quem não é séria tem que falar mesmo. Faz por onde... É, eu acho que é isso: as pessoas que fazem por onde serem julgadas. Não, gente, é sério. Acho que agora eu aprendi, de verdade.

Mas tem que julgar essas pessoas que fazem coisas desnecessárias mesmo. Na grande maioria das vezes eu tenho é razão... Falar de mim assim? Não, mas eu acho que ninguém tem essas ideias sobre mim não. Quem diria isso? Sou moça direita, não faço por onde. Por isso que ninguém me julga.

E por acaso eu tenho cara de quem não presta? Que conversa! Ninguém nunca disse isso. Tá bom, gente. Quando eu falo que não deve julgar as pessoas, eu falo que não mereço ser julgada. Não mereço mesmo.

Joseilson da Silva Júnior

julho de 2019






sexta-feira, 26 de julho de 2019

Música Clássica é Coisa de Gente Chata


Queridos leitores, hoje gostaria de apresentá-los à grande revelação que me ocorreu recentemente. Finalmente me converti e aceitei a máxima verdade: música clássica é coisa de gente chata.

Desde que me conheço por gente, a música clássica é desprezada pela sociedade e tratada como não importante e, por vezes, considerada inexistente. Após anos de luta a favor desse gênero musical, vejo que estava errado. Música clássica é sim coisa de gente chata. Não dá dinheiro. E quem não gosta de dinheiro?

Música boa é aquela que dá dinheiro para todo mundo: desde o produtor musical, passando pelo dono de boate, até o caixa do guichê 5 das Lojas Americanas na esquina da sua rua.

O produtor musical com certeza lucra muito mais gravando horas de qualquer merda de um bando de playboys ricos que sempre terão dinheiro para pagar-lhe, juntando tudo, e sabendo que vai ser um sucesso, do que gravar um pianista pobre e miserável, que passou anos na Faculdade de Música e ainda tem que escutar diariamente pessoas lhe dizendo: “E qual sua verdadeira profissão?”Ainda por cima, o safado vai terminar a sessão em 5 minutos porque não vai errar uma nota sequer e, no fim, não vai ter sucesso algum, nem dinheiro para pagar a gravação.

Já o dono de bar, com toda certeza, lucra muito mais com os funks e sertanejos do que lucraria com música clássica. Afinal, essas músicas são a base do seu trabalho, certo? Ninguém dança ao som de um Concerto de Bach. Ninguém enche a cara ao som da Primavera de Vivaldi. E, se você conhece alguém que faz isso, por favor, ligue imediatamente para um hospício. Imagine como seria nosso Brasil sem as baladinhas? Que desastre! Ia prejudicar até o turismo nacional! Pelo jeito, sem o funk, o Brasil ia acabar realmente “descendo até o chão”.

            O caixa da Americanas, por sua vez, sobrevive à base de sertanejo e sofrência. Podemos ver muito bem que essas lojas estão utilizando esse tipo de música em seus espaços com uma forma de atrair clientes. Pode observar que as lojas que tocam Michel Teló são as que mais “pegam” clientes. Sem clientes, sem dinheiro. Sem dinheiro, sem emprego pro pobre caixa do guichê 5. Sem emprego, sem dinheiro nem para pagar um Corote e encher a cara ao som de Marília Mendonça. Isso é uma crueldade da música clássica! Debussy certamente não pensou nas pobres lojas de conveniência enquanto escrevia “Clair de Lune”.

Está muito claro. Música clássica é coisa de gente desocupada, sem emprego, chata e desinteressante. Tempo é dinheiro. Bunda também. Mas quem tem tempo para passar 1h ouvindo uma Sinfonia de Beethoven tinha mesmo era que ser preso por desocupação!


Heitor Faria


junho de 2019


quinta-feira, 25 de julho de 2019

Dedal da vovó



                - João, meu netinho querido, vem cá!
                - O que foi, vó Ana?
            - Me ensina a usar essa coisa aqui que comprei, quero estar mais por dentro desse mundo tecnológico
          - Vó, você comprou um celular??
          - Comprei, e comprei bem comprado! A moça disse que era o melhor da loja. E olha aqui, é da “Sanguessunga”, dizem que é uma marca boa.
          - Que bom, vó! Agora podemos colocar a senhora no grupo da família! Vão adorar a novidade. Mas, e aí? Quer aprender a usar o quê?
          - O “Dizap”, tirar “selfi”, compartilhar e, principalmente, comprar na internet.
          - Comprar? Mas a senhora quer comprar o que na internet?
          - Quero comprar um dedal para mim. Depois, vou vender minha arte mundo afora!
* 
            - Mãe, o que é um dedal?
            - Ihhh, sei não, filho. Pelo nome, deve ser aqueles negócios que usa no dedo para tocar violão.
           - E a vovó sabe tocar violão?
           - Foi ela que falou nisso? – disse o pai, Abenildo.
            - Foi. Ela queria comprar um na internet. E depois disse que queria vender mundo afora sua arte!
           - Não acredito que mamãe, com essa idade, quer sair mundo afora para tocar música! Era só o que me faltava! Eu sabia! Eu sabia que aquela história dela de pintar o cabelo de roxo, só porque a amiga da hidroginástica pintou, não ia acabar bem! Elas devem estar tramando alguma! – disse, preocupada, Gerusineide.
           - E ela sabe usar internet agora?
- Sabe sim! Eu ensinei bem direitinho!
           - Ai, meu Deus! Eu vou enfartar desse jeito! Deixa de ser retardado, João! Mamãe já vem com essas modernidades, e você ainda ensina a usar celular? É o fim do mundo mesmo, agora só vamos ver ela por meio de uma chamada de vídeo do México!
           - Só nos resta impedi-la de fazer isso! – disse o pai.
           - Vamos falar com ela. Mamãe não pode nos deixar assim, sem mais nem menos, e ainda viajar por aí com a amiga louca dela!
          Desde então, tentaram de tudo para tirar o celular da avó. Até jogar dentro da máquina de lavar tentaram, mas o “Sanguessunga” era à prova d’água. Quando finalmente iriam executar o décimo quarto plano (sim, aquele ia dar certo), ouviram o carro dos Correios chegar.
            - Dona Ana Amora?
            - Oi! - atendendo o carteiro no portão - Sou eu mesma!  
            - Está aqui sua encomenda! É um dedal, né isso? Assine aqui, por favor.
            - Isso mesmo, um dedal!
Enquanto isso, a família esperava apreensiva na sala da casa. Gerusineide espiava pela janela o que estava acontecendo.  
- Como imaginei. A encomenda é pequena, deve ser aquilo mesmo! Vamos agir como adultos e jogar isso fora o quanto antes!
- Mas isso não é agir como adulto, mãe...
Gerusineide olha para João com olhar de quem vai ter uma conversa mais tarde. Nisso, a vó chega.
- Gente, olha, meu dedal chegou! Até que enfim vou…
- Pera, pera, pera! A senhora não vai a lugar nenhum, sogrinha!
- Quê? Por quê?
- Nós já sabemos de tudo, mamãe! Pode parar com essa paranoia de dedal que sua amiga colocou na sua cabeça.
Dona Ana tem uma bela crise de riso. Quase não para.
- Tá achando engraçado é, mamãe?
- O que vocês conhecem como dedal?
- Aquele pedaço de plástico que serve pra tocar violão!
- O dedal que eu conheço é apenas esse instrumento - diz, abrindo o pacote - que se usa para proteger o dedo da agulha. Inclusive, vou fazer uns bordados bem bonitos para vender pelo zap.
- Ahhhhhh!

Daniel Victor Fernandes de Oliveira

junho de 2019


Isso, sim, é vida boa


          Certo dia, eu acordei, no meio da madrugada e ouvi uns sons estranhos. Era o cochichado de dois seguranças. Não entendia sobre o que falavam, então me aproximei para ouvir melhor. Estavam falando de um presidiário que seria liberado na manhã seguinte. Quando ouvi isso, entrei logo em desespero: E se tiverem falando mim?

            Não posso perder tudo que conquistei com todo meu suor e esforço. Não foi fácil assaltar aquele restaurante. Eu me esforcei tanto para conseguir enganar aquelas pessoas e depois ser pego pela polícia!... Mereço no mínimo um reconhecimento, mas as pessoas só sabem julgar. Eu fiz isso tudo para conseguir ter uma vida boa, e agora o meu sonho pode estar chegando ao fim?

            Lá fora o mundo é outro, é um ambiente assustador. As pessoas têm que fazer um negócio chamado “trabalhar”, passando umas 8 horas por dia, fazendo tarefas chatas para conseguir suas coisas, ter onde morar, o que comer e poder se divertir. Que coisa mais estranha! Não consigo nem imaginar como deve ser isso. Eu tenho é pena dessas pessoas, não sabem o que é uma vida boa.

            Aqui eu tenho tudo que há de bom: moradia boa, televisão, videogames, ar-condicionado, três refeições por dia, e várias outras coisas, tudo isso de graça. Olha que incrível essa vida! Não preciso fazer nada e tenho isso tudo, sem contar com a segurança particular e os amigos que tenho aqui. É diversão o dia inteiro, principalmente no futebolzinho da tarde.

            Mas não posso esquecer de falar da melhor parte: todas as segundas, quartas e sextas, rolam aquelas famosas visitinhas íntimas. É tudo de bom, cada semana é uma experiência diferente. Além da diversão, consigo até desenrolar uns smartphones e umas coisinhas para me deixar mais animado, se é que vocês me entendem.

            Não quero ir embora. Seria terrível perder essa vida que conquistei. Caso eu vá embora, vou ter que criar um novo plano para voltar para cá, assaltar alguém ou algum estabelecimento. Depois as pessoas reclamam da tal “criminalidade”, mas é tudo uma questão de necessidade, elas não conseguem nos entender.

            Se elas soubessem da vida que nós temos aqui, entenderiam nosso lado, não fazemos por mal. Queremos, apenas, uma vida boa de verdade.

Lucas Dantas de Lucena

junho de 2019

Ferramenta de transformação


São 12 horas. O alarme da escola dispara informando que a aula chegou ao fim. Guardo os meus materiais. Ponho a bolsa nas costas e caminho até o ponto de ônibus. É um horário de pico, consideravelmente movimentado. Diante da correria de tantas pessoas, deparo-me com uma cena que me chama atenção: um garotinho, aproximadamente 8 anos de idade, sentado na calçada do shopping Midway Mall, amparado por uma lixeira e com um livro didático sobre suas pernas.

O menino é filho de hippies, que aproveitam da boa movimentação do local para vender seus artesanatos. Um espaço tão pequeno, mas com um enorme contraste social. Grande exemplo de desigualdades sociais. Na minha frente, uma uma família de classe baixa. Vivem do artesanato. É a partir dessa arte que podem tirar o dinheiro para arcar com as despesas da casa e até mesmo com a alimentação. Atrás do garoto, um dos maiores shoppings da cidade, com muitas lojas e os mais renomados restaurantes. Pessoas por ali passavam, eram completamente atraídas às grandes lojas daquele shopping e nem sequer olhavam os produtos daquela humilde família.

Não só o contraste social chamou minha atenção, mas também a cena do garoto com seu livro. Rapidamente, lembrei-me de Paulo Freire, um dos maiores mentores da educação mundial: “Educação é impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato do cotidiano”. A sede por conhecimento daquele garoto chamou minha atenção. Apesar do barulho dos carros, riscos ergonômicos e biológicos, em suma, das péssimas condições de estudo, ele persistia na leitura. Aquele garoto não tinha oportunidade de ter um local confortável para realizar suas atividades e leituras, mas, ainda assim, ele não desanimava, e a esperança por um futuro fértil florescia.

O garotinho me fez lembrar de outra reflexão do mestre Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Naquele momento, pude observar aquele garoto de uma forma diferente, sem a magia da educação: Onde ele poderia estar? Poderia ser corrompido pelo meio ilícito?

           Minhas dúvidas ficaram sem resposta, mas cheguei à conclusão de que educação é uma ferramenta de transformação e, por tal motivo, é negada pelas classes dominantes para aqueles que tanto necessitam de uma educação de qualidade.

          Vitor Santos

         julho de 2019

terça-feira, 23 de julho de 2019

Salvador da Pátria





Brasil pós-salvação - fevereiro de 2023.

Quatro anos após o Messias brasileiro salvar o país do comunismo, o Brasil finalmente vive seus momentos de glória. O kit gay nunca mais foi distribuído nas escolas públicas. Joãozinho, que é do MBL estudantil, finalmente se livrou da doutrinação que seu professor de Português fazia. Eu, agora, posso levar meu filho pra passear no capô do meu tanque de guerra. Afinal, o filho é meu e eu preciso de um tanque pra defender o meu patrimônio incalculável. Aliás, obrigado por perguntar, meu filho está ótimo e nunca foi vacinado, só de vez em quando que ele diz que quer fazer faculdade em Harvard… Coitado do bichinho, não descobriu que é só botar no currículo que viu todas as vídeo-aulas do Olavo de Carvalho que já pode ser ministro.

Por falar no guru, ele foi o cara que mais contribuiu com suas descobertas nesses últimos anos. Nunca mais ninguém morreu de câncer de pulmão por fumar cigarros normais, agora isso só acontece com os maconheiros… castigo de Deus. Os alunos nunca mais tiveram que perder suas noites de sono estudando física. Afinal, a terra é plana e a gravidade nunca existiu.

Outra coisa que mudou foi a bandeira. Os nacionalistas mais antigos diziam que a nossa bandeira jamais seria vermelha. Erraram. Agora somos a República dos Estados Unidos of Brazil, e o lábaro agora tem uns detalhes vermelhos no centro do círculo, que, desde o ano passado, contém a frase “O Lula tá preso, babaca”.

Além disso, estamos boicotando o filme do Frozen que foi lançado ontem. Tenho certeza que eu e meus amigos vamos conseguir quebrar a Disney, baixando o valor de todas as suas ações no mercado internacional. Eles acham que podem desobedecer o plot twist que a Damares fez em 2019, dizendo que a Elsa ia acordar a Bela Adormecida com um beijo gay… Já tinha até preparado uns bots pra xingar o mickey no Twitter e subir a hashtag #DisneyComunista.

Apesar de tudo que o nosso presidente fez pelo país, ainda tentam nos abalar, inventando essas histórias de laranjas, venda de imóveis com superfaturamento e vazamento de conversas comprometedoras… tudo perseguição e fake news. Ah, calma, acabei de receber no meu Whatsapp que acharam o Queiroz… Deve ser mentira...

Leo Cardoso Viana Azevedo

junho de 2019

Coach


         Houve uma época em que tínhamos escolas, faculdades, psicólogos, cientistas sociais, economistas, contadores, mas isso é coisa do passado… Afinal, por que perderíamos nosso tempo pesquisando e procurando profissionais especializados que estudaram anos para nos fornecer serviços de qualidade nos dias corridos de hoje?

          Ocorreu com esse sistema uma verdadeira mudança de mindset e isso só foi possível por causa dos nossos heróis: os coachs. Eles nos iluminaram quando estávamos nas trevas. Quem precisa de um psiquiatra quando podemos simplesmente contratar um psichocoach resolver facilmente nossos problemas de ansiedade e depressão? Ora, mas você deve achar que isso foi um milagre, digo que não, é apenas uma changing de cosmovision. Os coachs nos ensinaram que nós precisamos apenas entender que não importa o quão fodido você esteja: a culpa é sua.

          Mas isso não é problema, afinal, os nossos heróis, por um preço bem acessível, algo tipo um rim ou dois, te oferecem um treinamento completo e profissional, certificado por eles mesmos, grandes autoridades no assunto, seja ele qual for. Afinal de contas, os judeus só não escaparam de Auschwitz porque não se ligaram no que tava wrong ali. Faltou a eles um pouco de creativity, senão com certeza eles teriam acabado com um bando de nazistas armados: a culpa do holocausto foi dos judeus.

          Os coachs nos salvaram da temida depressão, o grande mal do século e blá blá blá, os caras descobriram formas inovadoras de usar as músicas do Vitor Kley para nos tirar desse mental trap. Novamente, quase como milagre, mas eles descobriram cientificamente que, pra você sair do seu ponto A (a depressão), pro ponto B (a saúde mental perfeita), você só precisa pensar positivo e escutar O Sol, imagine que você é o tal Sol da música que seu ego vai parar nas alturas, experiência vivida pelo Marcelo Craig, meu coach.

          Também aprendi com o Marcelinho um pouco de economia. Antes eu tinha um apartamento legal no centro de Natal, agora vivo num quarto com dois outros alunos dele na ZN. Pode parecer estranho, mas é que ele tava me ensinando a comprar ações, aí pra ter um dinheirinho a mais pra investir, eu vendi o AP e meu carro, mas eu vou recuperar tudo daqui a uns dez anos e, em quinze, vou ter cerca de 30% a mais em dinheiro. Muito bom, né? Meu contador ficou tiririca, daí dispensei ele, afinal o Marcelo é bem mais brother e não tá nesse vicial circle do capitalismo aí, esses caras que trabalham nessas agências de finanças só querem roubar seu dinheiro, bastards.

          Eu adoraria falar um pouco mais sobre esses milagreiros dos tempos modernos, mas eu tô atrasado pro meu encontro com a Adryelle, minha medical-coach. Ela disse que podia curar meu câncer no cérebro com umas velas aromáticas especiais.   



Vítor Manoel Sobral Dantas

junho de 2019


A viva alma mais honesta do Brasil



Dia 7 de abril de 2018, lembro como se fosse ontem. Nesse dia, quando estava esperando pelo ônibus, soube de uma notícia de uma forma inesperada. Avistei um homem, aos prantos, que não sabia se chorava ou se falava. Logo pensei que um ente querido havia morrido, mas não, pra ele fora algo ainda pior, um ex-presidente do Brasil havia sido preso: Luiz Inácio Lula da Silva, a viva alma mais honesta deste país. 

Como podia um homem que aparentava ter uns 50 anos chorar pela prisão de um macaco velho da política que nem o conhecia? A alienação só podia ser grande! Ao chegar em casa e ligar a televisão, só o que passava era a saída de Lula do Sindicato dos Metalúrgicos para o xilindró e uma aglomeração de pessoas alucinadas dificultando a passagem. O que teriam colocado na mortadela daquela vez?

Aquele macaco velho, hoje, não consegue nem contar nos dedos a quantidade de processos nos quais é réu. Passou 8 anos na presidência e recebeu, aproximadamente, um total de 3 milhões de reais. Recentemente um juiz de Curitiba ordenou o bloqueio de 78 milhões de reais de seu patrimônio. Mas se juntar todos os seus acusadores, os três desembargadores do TRF4 que o julgaram, o Sergio Moro, o Ministério Público da Lava-Jato e a Polícia Federal, colocar numa prensa e espremer, o que sobrar não tem 10% da honestidade que ele tem. Nunca antes na história desse país alguém foi tão perseguido, né?  Acho que também vou começar a dar palestra e vender Avon.

Luiz Inácio começou em 2005, pelo que sabemos, algo nunca visto antes na história deste país: suas grandes roubalheiras. Foi nesse período que descobriram o famoso mensalão, aquela quantia generosa de dinheiro que se dá aos filhos, sabe? Foi uma surpresa, pra mim, descobrir que Lula tinha, pelo que se sabe, uns 40 filhos. Atualmente ele tá querendo sair da prisão e se casar. E, por incrível que pareça, não é com Haddad. Pois é, por mais que você não goste de sua aparência, afirme-se bonito. Será que vêm mais filhos por aí?

Gabriel Amorim Noronha 

junho de 2019