
Tudo começou com o
“Remanejamento”, a famosa política do IFRN – Instituto Federal do Rio Grande do
Norte – que possibilita aos funcionários a oportunidade de mudarem de Campus em que estão ensinando, a fim de
serem remanejados para a sua cidade ou outra mais próxima, para ficarem
pertinho dos seus familiares. Em pouco tempo, o professor que trabalha no Campus Pau dos Ferros, por exemplo, pode
se transferir para o Natal-Central e começar a lecionar em seu novo local de
trabalho; o que trabalha em Apodi pode ser transferido, sem muitas
dificuldades, para atuar na região metropolitana do estado, como em São Gonçalo
do Amarante ou Parnamirim. Sempre ocorre esse sistema de transferências entre
os professores do Instituto. Para os docentes, o programa é uma ótima
oportunidade para novas experiências. Minha aflição começou desde que soube de
sua existência e não sou o único que sofro com ela.
A ideia de ter que mudar
de professor é terrível. Você o vê toda semana, conversa com ele, conta piadas,
adquire conhecimento; sem notar, o laço já foi criado. Ele se torna alguém tão
próximo e importante que você preferiria deixar de aprender a ter outro com
disposição para lhe ensinar. A “importância” de
que falo não é a mesma que se atribui a um amigo, a um parente ou a uma
paquera. A relação entre aluno e professor é diferente de todas essas e, talvez
por isso, seja tão especial. É um afeto interessante, não muito próximo e nem
muito distante, mas é o suficiente para fazer machucar quando eles vão embora.
Se eu disse tudo isso é
porque já entendo muito bem o que o Remanejamento pode fazer. Só no ano passado
foram duas experiências. O primeiro do Campus
São Gonçalo a aderir foi o professor de Geografia, Romero Tertulino, o mais
apegado com todos os alunos. Pode
imaginar o que isso causou? Talvez tenha sido ainda pior pelo fato de todos os
alunos, na época, serem calouros. Nunca havíamos passado por esse tipo
experiência, e ela ocorreu logo com o mais próximo a nós.
Lembro-me bem daquele dia.
O professor entrou na sala e esperou que todos se acomodassem em suas
carteiras. Quando ele nos contou que iria deixar de trabalhar em nosso Campus, ninguém conseguiu conter as
lágrimas. Não conseguíamos nos imaginar outro docente em seu lugar. Romero era
ótimo professor. Obviamente ele tinha seus defeitos, como qualquer pessoa, no
entanto era muito sábio e passava segurança em tudo que ensinava. Toda vez que
chegava à sala para dar aula, ele tinha que desenhar o mapa mundi no quadro.
Era de praxe. Gostávamos de ouvir suas histórias sobre o período em que trabalhava
em uma empresa de intercâmbios, histórias de suas viagens - sendo uma delas até
a Tunísia. Gostávamos, também, quando ele contava suas experiências vividas em
outras escolas, essas eram as melhores. Foi através de uma dessas que eu
comecei a vê-lo de forma diferente.
Estávamos estudando
Geografia Física, mas nesse dia o assunto mudou de curso. Começou, então, uma
pequena discussão de ideias na sala entre alguns alunos e o professor. Rapidamente
o assunto passou para Geografia Política. Os alunos argumentavam que todos que
tentaram o processo seletivo para o IFRN tiveram as mesmas chances e, se eles
não conseguiram a aprovação, a culpa era inteiramente deles. O professor
contou-nos então uma história sua para contrariar a ideia dos alunos.
Em uma de suas turmas de
Ensino Fundamental I, o professor Romero tinha um aluno muito dedicado à
disciplina de Geografia. Ele sempre se mostrava interessado em todo tipo de
assunto que tivesse algum tipo de relação com a matéria. Romero, então, passou
um trabalho para ser apresentado. Todos na sala deveriam utilizar cartolina
como forma de exposição. No dia da apresentação, todos os estudantes fizeram
ótimas exposições. O único que não havia feito era o jovem que Romero pensara
ser o mais dedicado. Ao final da aula, Romero seguiu em direção a esse aluno e
os dois começaram a conversar. Romero disse que estava muito decepcionado com
ele por não vê-lo apresentar. O aluno, então, começou a chorar e o abraçou.
Repetidas vezes desculpou-se com o professor. Disse que não havia feito o
trabalho por não ter conseguido o dinheiro para comprar as cartolinas. Romero
se emocionou e percebeu sinceridade nas palavras do garoto.
Retomando a discussão,
Romero concluiu que nem todas as pessoas tinham incentivo ou mesmo apoio, quer
seja ele financeiro ou familiar. E, para o concurso do IFRN, esse talvez fosse
um fator muito decisivo, em virtude de ser o primeiro concurso de muitos jovens
e devido à faixa etária dos que realizavam a prova.
Talvez agora alguém
entenda a razão de meu sofrer. Não se tratava simplesmente do que um professor
poderia oferecer sobre a sua área de atuação, mas sim daquilo que ele era. Além
de se importar com a nossa visão sobre a Geografia, Romero também queria
contribuir para a nossa formação como verdadeiros cidadãos. Deixaríamos de
ouvir as boas experiências, os conselhos incríveis, as ‘piadas’ sem noção e também
de ouvir aquela velha expressão: “Não consigo lembrar o que expliquei na aula
passada. Onde paramos?”.
Aproveitando o bonde, mais
um se foi. A professora Priscila, que lecionava Inglês, não perdeu tempo e se
inscreveu também. Quando lhe era feita alguma pergunta sobre o remanejamento, o
que se ouvia como resposta era que as chances de que ela fosse transferida
naquele momento eram muito poucas. Infelizmente ela estava errada.
Diferentemente do professor Romero, para ela fizemos uma festa de despedida com
todos da turma. O seu remanejamento não nos pegou tão de surpresa como o
anterior, todavia pareceu doer até mais. Em sua despedida, até mesmo aquelas
pessoas que não se expressavam tanto se emocionaram.
Priscila era outra
professora cativante. Ensinou-nos muito mais que simples palavras ou tempos
verbais. Nas suas aulas, ela mostrava aos que sentiam alguma dificuldade que
era fácil aprender; e aos que já tinham certo conhecimento na bagagem, ela os
incentivava a fazer mais e nos mostrava o quanto poderíamos alcançar, se
quiséssemos. Uma das coisas que marcaram suas aulas foi a leitura do livro “O
Pequeno Príncipe”. Ler já é bom. Agora, ler em inglês, juntamente com 40
pessoas, refletindo em todos os valores repassados pelo livro, é, de fato, uma
experiência um tanto única. Foram minhas melhores aulas.
Pouco tempo depois da
partida deles, a saudade era imensa. Na boca de todos se ouviam belas frases
sobre como eles eram bons professores e, além de tudo, boas pessoas. As frases
falavam de como os alunos passaram a ver a Geografia como uma matéria diferente,
ou como ler um livro em Inglês nunca fora tão
proveitoso e gratificante. Se faço essa crônica é porque quero me livrar dessa
agulha algum dia, quando não sei. Só sei que quero estar em um lugar onde a
saudade não possa me alcançar.
David Allysson
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