sábado, 10 de maio de 2014

A roda da mudança




Mudança, às vezes, pode te trazer dores de cabeça, e trouxe; pode trazer saudade do que se foi, e trouxe; pode trazer arrependimentos, e trouxe; pode trazer medos infinitos e inexplicáveis, e trouxe; pode trazer insegurança, e trouxe. A mudança trouxe a água salgada que brota da nascente dos meus olhos, de dia, de noite. O crepúsculo trazia lembranças de fins de dias em lugares que eu costumava estar, com as pessoas de sempre. Mas são só lembranças, que se tornam cada vez mais distantes, quase mortas agora. No princípio,  estavam bem vivas, se alimentando da minha vida e deixando o vazio.
Assim me senti durante longos meses, quando mudei de escola – foi como bater no primeiro de uma fileira de dominós. Mudei de ambiente, mudei de atmosfera, mudei de pessoas e mudei de mim, pois já não era a mesma – hoje enxergo a importância que eu dava a futilidades e a opiniões alheias, defeitos que ainda me atormentam, mas que estou aprendendo a contornar. Porém naquele momento isso não me importava. Por que me sentia assim? Eu sempre quis deixar minha antiga escola, pois faltava a alguns alunos aceitar que existiam pessoas diferentes, com gostos e modos de pensar diversos. Viviam de aparências como os reis e rainhas do século XV, que se escondiam da verdade para poderem reinar e manter o seu poder. Mas a resposta para tudo o que eu sentia estava na mudança. Ela me tirou o chão e eu caí inconstantemente como em uma montanha russa. Sentimentos impiedosos me atacavam e me faziam sua refém, com pouco me libertavam, mas logo me aprisionavam novamente.

 Todavia, o tempo, em toda sua perfeição, me mostrou que a mudança não é de todo tão má e perversa como estava sendo. Como é de sua índole, ela mostrou uma de suas tantas faces e foi generosa, me presenteando com professores, professoras e colegas – sábios filósofos; mães amorosas e extremamente feministas; piadistas que desistiram de suas carreiras para estar junto a mim; anjos caídos dos céus, que me deram um novo chão, reconstituído com as melhores partes do chão antigo, junto às novas partes que haviam trazido consigo, formando um chão com alguns desencaixes, porém, firme em sua totalidade. Um chão fundado acima e ao lado do solo e paredes sólidas do IFRN São Gonçalo do Amarante. 

Ao longo do caminho, a mudança me trouxe confidentes, cúmplices, que com toda a certeza serão levados pela mudança, um dia, mas que por enquanto estão comigo me apoiando a cada tropeço nas pedras da vida, que muitas vezes são impiedosas nos arrancando um pedaço ou dois da pele dos pés; apontando-me o dedo quando necessário; trazendo-me felicidade e levando-me para longe das decepções deixadas por quem um dia já fez parte de meus confidentes. A paixão, o amor romântico acabam, de muitas formas, em diferentes lugares, mas o amor fraternal estabelecido entre nós, esse amor que a mudança me trouxe, é para sempre. Os eventos da vida, que irão nos separar, podem torná-lo frio, mas ele ainda estará presente, pois é firme e forte como uma rocha. E quando a mudança permitir o nosso encontro, será como antes dela ter-nos separado, e o calor do nosso afeto gradualmente se reestabelecerá como o sol sempre o faz na primavera depois dos tempos chuvosos do inverno.

A Camila de antes deu lugar a uma outra, com mais preocupações acadêmicas, mas que também se sentiu acolhida no Campus São Gonçalo do Amarante e percebeu que este era o seu lugar. E, com a ajuda de seus anjos, ali se encontrou. 

 E, pensando bem, a mudança me trouxe sim dor de cabeça; saudade; arrependimento – muitas vezes, de ter ingressado no IFRN; medo – de julgamentos; insegurança; pranto. E ela continuou me trazendo – não tanto quando em seu princípio. Mas o que ela me trouxe de momentos de extrema alegria, satisfação, carinho, acolhimento, e tantas outras sensações de bem-estar, é uma quantidade incontável e até inimaginável que sobrepõe facilmente a tristeza e lamento dos outros sentimentos. Eu ainda tenho saudade do que passou, mas é apreciável, em meus momentos de solidão, ter saudade de algo novo, de pessoas novas, sensações e momentos novos, coisas que só a mudança pôde me trazer e levará de mim sem pestanejar. É sensato e aconselhável que eu aproveite mais e lembre menos dos momentos vividos agora, pois terei bastante tempo quando meu curso em Informática acabar e a roda da mudança girar.
Camila Maressa

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Remanejamento



Madrugada chuvosa. Novamente estou eu refletindo, em meu mar revolto de sentimentos, e ressuscitando aquela pequena dor que sempre me incomodou, como uma agulha esquecida no bolso, que penetra na pele sempre que possível. Já fora maior. Agora é apenas uma pequena saudade. As coisas, no início, sempre são piores.

Tudo começou com o “Remanejamento”, a famosa política do IFRN – Instituto Federal do Rio Grande do Norte – que possibilita aos funcionários a oportunidade de mudarem de Campus em que estão ensinando, a fim de serem remanejados para a sua cidade ou outra mais próxima, para ficarem pertinho dos seus familiares. Em pouco tempo, o professor que trabalha no Campus Pau dos Ferros, por exemplo, pode se transferir para o Natal-Central e começar a lecionar em seu novo local de trabalho; o que trabalha em Apodi pode ser transferido, sem muitas dificuldades, para atuar na região metropolitana do estado, como em São Gonçalo do Amarante ou Parnamirim. Sempre ocorre esse sistema de transferências entre os professores do Instituto. Para os docentes, o programa é uma ótima oportunidade para novas experiências. Minha aflição começou desde que soube de sua existência e não sou o único que sofro com ela.

A ideia de ter que mudar de professor é terrível. Você o vê toda semana, conversa com ele, conta piadas, adquire conhecimento; sem notar, o laço já foi criado. Ele se torna alguém tão próximo e importante que você preferiria deixar de aprender a ter outro com disposição para lhe ensinar. A “importância” de que falo não é a mesma que se atribui a um amigo, a um parente ou a uma paquera. A relação entre aluno e professor é diferente de todas essas e, talvez por isso, seja tão especial. É um afeto interessante, não muito próximo e nem muito distante, mas é o suficiente para fazer machucar quando eles vão embora.

Se eu disse tudo isso é porque já entendo muito bem o que o Remanejamento pode fazer. Só no ano passado foram duas experiências. O primeiro do Campus São Gonçalo a aderir foi o professor de Geografia, Romero Tertulino, o mais apegado com todos os alunos. Pode imaginar o que isso causou? Talvez tenha sido ainda pior pelo fato de todos os alunos, na época, serem calouros. Nunca havíamos passado por esse tipo experiência, e ela ocorreu logo com o mais próximo a nós.

Lembro-me bem daquele dia. O professor entrou na sala e esperou que todos se acomodassem em suas carteiras. Quando ele nos contou que iria deixar de trabalhar em nosso Campus, ninguém conseguiu conter as lágrimas. Não conseguíamos nos imaginar outro docente em seu lugar. Romero era ótimo professor. Obviamente ele tinha seus defeitos, como qualquer pessoa, no entanto era muito sábio e passava segurança em tudo que ensinava. Toda vez que chegava à sala para dar aula, ele tinha que desenhar o mapa mundi no quadro. Era de praxe. Gostávamos de ouvir suas histórias sobre o período em que trabalhava em uma empresa de intercâmbios, histórias de suas viagens - sendo uma delas até a Tunísia. Gostávamos, também, quando ele contava suas experiências vividas em outras escolas, essas eram as melhores. Foi através de uma dessas que eu comecei a vê-lo de forma diferente.

Estávamos estudando Geografia Física, mas nesse dia o assunto mudou de curso. Começou, então, uma pequena discussão de ideias na sala entre alguns alunos e o professor. Rapidamente o assunto passou para Geografia Política. Os alunos argumentavam que todos que tentaram o processo seletivo para o IFRN tiveram as mesmas chances e, se eles não conseguiram a aprovação, a culpa era inteiramente deles. O professor contou-nos então uma história sua para contrariar a ideia dos alunos.

Em uma de suas turmas de Ensino Fundamental I, o professor Romero tinha um aluno muito dedicado à disciplina de Geografia. Ele sempre se mostrava interessado em todo tipo de assunto que tivesse algum tipo de relação com a matéria. Romero, então, passou um trabalho para ser apresentado. Todos na sala deveriam utilizar cartolina como forma de exposição. No dia da apresentação, todos os estudantes fizeram ótimas exposições. O único que não havia feito era o jovem que Romero pensara ser o mais dedicado. Ao final da aula, Romero seguiu em direção a esse aluno e os dois começaram a conversar. Romero disse que estava muito decepcionado com ele por não vê-lo apresentar. O aluno, então, começou a chorar e o abraçou. Repetidas vezes desculpou-se com o professor. Disse que não havia feito o trabalho por não ter conseguido o dinheiro para comprar as cartolinas. Romero se emocionou e percebeu sinceridade nas palavras do garoto.

Retomando a discussão, Romero concluiu que nem todas as pessoas tinham incentivo ou mesmo apoio, quer seja ele financeiro ou familiar. E, para o concurso do IFRN, esse talvez fosse um fator muito decisivo, em virtude de ser o primeiro concurso de muitos jovens e devido à faixa etária dos que realizavam a prova.

Talvez agora alguém entenda a razão de meu sofrer. Não se tratava simplesmente do que um professor poderia oferecer sobre a sua área de atuação, mas sim daquilo que ele era. Além de se importar com a nossa visão sobre a Geografia, Romero também queria contribuir para a nossa formação como verdadeiros cidadãos. Deixaríamos de ouvir as boas experiências, os conselhos incríveis, as ‘piadas’ sem noção e também de ouvir aquela velha expressão: “Não consigo lembrar o que expliquei na aula passada. Onde paramos?”.

Aproveitando o bonde, mais um se foi. A professora Priscila, que lecionava Inglês, não perdeu tempo e se inscreveu também. Quando lhe era feita alguma pergunta sobre o remanejamento, o que se ouvia como resposta era que as chances de que ela fosse transferida naquele momento eram muito poucas. Infelizmente ela estava errada. Diferentemente do professor Romero, para ela fizemos uma festa de despedida com todos da turma. O seu remanejamento não nos pegou tão de surpresa como o anterior, todavia pareceu doer até mais. Em sua despedida, até mesmo aquelas pessoas que não se expressavam tanto se emocionaram.

Priscila era outra professora cativante. Ensinou-nos muito mais que simples palavras ou tempos verbais. Nas suas aulas, ela mostrava aos que sentiam alguma dificuldade que era fácil aprender; e aos que já tinham certo conhecimento na bagagem, ela os incentivava a fazer mais e nos mostrava o quanto poderíamos alcançar, se quiséssemos. Uma das coisas que marcaram suas aulas foi a leitura do livro “O Pequeno Príncipe”. Ler já é bom. Agora, ler em inglês, juntamente com 40 pessoas, refletindo em todos os valores repassados pelo livro, é, de fato, uma experiência um tanto única. Foram minhas melhores aulas.

Pouco tempo depois da partida deles, a saudade era imensa. Na boca de todos se ouviam belas frases sobre como eles eram bons professores e, além de tudo, boas pessoas. As frases falavam de como os alunos passaram a ver a Geografia como uma matéria diferente, ou como ler um livro em Inglês nunca fora tão proveitoso e gratificante. Se faço essa crônica é porque quero me livrar dessa agulha algum dia, quando não sei. Só sei que quero estar em um lugar onde a saudade não possa me alcançar.
David Allysson

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Só restou a dor da saudade



Vida... A vida é simples para uns. Perfeita para outros. Já para mim ela é monótona. Será que é só comigo? E Deus, por que me afasta das pessoas de quem tanto gosto?

No Campus São Gonçalo do Amarante, foi onde tudo começou. Não me lembro qual o dia, mas já sentia que Pri iria ficar pra sempre em nossa vida acadêmica. Quer dizer, na vida dos alunos de Informática, do 2º ano. Aulas divertidas, brincadeiras empolgantes, que nos faziam voltar a ser crianças, muitas conversas interessantes e o PP – Pequeno Príncipe. 

Mas tudo que é bom acaba. E tudo isso acabou! Priscila Seabra, a melhor professora de Língua Inglesa que já tive, se foi. Eu sei que seria muito difícil - para mim - esquecer dela, mas também não foi nada fácil, para a nossa musa americana, esquecer da gente - seus queridos alunos de IFRN (São Gonçalo), nosso campus.  Não sei por que tal decisão de querer ir embora, nos deixar, nos abandonar aqui, neste campus.

Não sei também qual o motivo para nos trocar pelo Campus Parnamirim. Maldito! Maldito Campus Parnamirim! Levou Romero, “senhor sério”, professor de Geografia do nosso campus, e agora Priscila? Não pode ser! Neste momento, com esse remanejamento, me senti como uma filha que acabou de perder sua mãe.

O meu coração chorou rios de lágrimas. Muitos disseram que não vale chorar por alguém novo. Porém era como se já a conhecesse há muito tempo. E Pri já tinha me cativado, assim como o Pequeno Príncipe, que cativou a Raposa e logo após foi embora. Então a dor foi maior. Não queria quebrar esse laço. Chorar na sua despedida foi a solução, como a fez a Raposa quando o Pequeno Príncipe se foi. 

Tão alegre, amiga, agradável e com o jeito tão meigo! Com seu jeito de ensinar, sempre agradava a todos. Com ela, tudo era festa. Assim era Priscila, a professora de Inglês.

Quando realmente chegou a hora de dizer adeus, tudo que era belo virou tristeza. O céu ficou sem cor. As estrelas ficaram sem brilho. A grama, que fica em frente ao laboratório da Miss Seabra, perdeu todo seu tom de verde alegria, e transformou-se em amarelo tristeza. Mas só uma coisa ficou: aprendi, de verdade, o que é sentir saudades.

Érica Santos

Ficha 54




Dia de passeio escolar. Um milagre! Sair um pouco da escola, esquecer os problemas...desparecer! Não é todo dia que acontece uma coisa dessas no IFRN Campus São Gonçalo do Amarante. É mais fácil chover moedas.
Nós iríamos assistir uns minicursos e ver a apresentação dos projetos de alguns coleguinhas da turma. Tudo isso ao lado do professor Gilbran, o queridinho da sala (brincadeirinha).
O passeio, ou melhor, a viagem, já que iríamos para a Teresina Potiguar, ou seja, Mossoró, era exigente. Tínhamos que chegar às 03:30 da madrugada no Campus. Eu cheguei às 03:10.
Quando desci do carro, que parei em frente ao Instituto, havia cerca de cinquenta pessoas deitadas no chão. Não eram os meus colegas. Não pareciam ser mendigos. Não era show da Madonna. Até que uma galega com os olhos quase fechados se aproximou. Era Ângela, minha amiga.
- Hugo!
- Oi! Madrugou aqui na porta, hein!
- Pois é. Ei, me diga. Qual o seu número?
- Meu número?
- Sim, seu número. O meu é o 51. E o seu?
- Que número?
- Da ficha, ora.
- Ainda não entendi. Não tenho nenhuma ficha.
- Ah, pois vá pegar a sua com o porteiro.
- Pra que é essa ficha?
- Não sei muito bem. Cheguei aqui e me entregaram. Deve estar relacionada com a nossa viagem.
Fui pegar a tal ficha. A minha era a 54. Fiquei assustado. Mesmo sem entender o que estava acontecendo, senti que peguei um número alto. Eu era um dos últimos.
Já eram 03:30 e, de repente, aparece o vigia da escola. Um pouco “alterado”, ele diz:
- Ei! Vocês aí de farda! São de Informática?
- Sim.
- O que estão fazendo aí com o pessoal que vai se matricular nos cursos Pronatec? Venham para o ônibus!
Corri para o ônibus e pensei: “O que a maioria desse pessoal não faz pra ganhar um dinheirinho fácil no fim do mês?”.

Hugo Araújo