Certo
dia, teve a oportunidade perfeita. Enquanto voltava de sua corrida matinal pelo
acostamento da Prudente de Morais, Guilherme flagrou uma cena um tanto
inusitada, que lhe deixou perturbado – do outro lado da rua, em frente a uma
casa, um homem, ainda de pijamas, arremessava um bebê para o alto enquanto um
pequeno cachorro simulava relações sexuais em sua perna esquerda. Consternado,
Guilherme parou, tirou seu Lumia do bolso traseiro da calça e fotografou a
cena.
Pelo
restante do dia, o rapaz ficou com aquela imagem grudada em sua mente. Quem
seria aquele homem? Por que estava jogando um bebê para o alto? Era seu filho?
E o que aquele cachorro fazia em sua perna? Esta era uma excelente oportunidade
para exercitar sua imaginação. Pensou em como a editora Abril, mais
precisamente a revista VEJA, reagiria àquela foto, considerando a linha de
reportagens especulativas e pouco imparciais que a revista sempre seguiu.
Imaginou a foto estampando a primeira página, com o seguinte título em letras
chamativas e negrito:
PETISTA TORTURA FILHO DE DEPUTADO
TUCANO ENQUANTO PRATICA ZOOFILIA
Seria
um título apropriado. É de conhecimento geral o posicionamento político e
tendencioso da revista, além de seu fetiche quase doentio pela esquerda
brasileira e mais precisamente pelo Partido dos Trabalhadores. Seguindo com seu
exercício, Guilherme imaginou como a SUPERINTERESSANTE, também da editora
Abril, iria descrever aquela imagem:
Pensou
na foto postada no site da revista,
na seção de bizarro e sobrenatural, com o título em letras de forma:
CRIANÇA É ABDUZIDA POR ALIENÍGENAS E
PAI É SALVO POR CACHORRO
Não
era um exagero, o ramo do jornalismo bizarro estava ganhando espaço no Brasil
há muito tempo. E engana-se quem pensa que são matérias tão absurdas que
ninguém seria capaz de acreditar nelas – casos como o ET de Varginha estão aí
para demonstrar que nunca se pode subestimar o quão uma população ignorante e
volátil como a brasileira pode ser manipulada. Bastar aparecer a história
certa.
Seguindo,
Guilherme imaginou como o maior e mais abrangente meio de comunicação do país,
a Rede Globo de Televisão, reagiria à imagem. Pensou na foto sendo mostrada no
Jornal Nacional, com a seguinte legenda:
VÂNDALO É VISTO DEPREDANDO PATRIMONIO
PÚBLICO. CACHORRO TENTA IMPEDIR, MAS É MORTO
Um título justo. A fórmula do jornalismo
sensacionalista que a Rede Globo usava desde a sua criação era quase mágica –
suficiente para chocar o espectador, mas não ao ponto de fazer a emissora virar
piada, como a de um certo apresentador que começa com Silvio e termina com
Santos.
Em sua
última conjectura, o rapaz pensou a maneira como a Rede Record iria interpretar
aquela imagem. Pensou na fotografia ilustrando a matéria de um de seus
programas matinais, trazendo a seguinte legenda:
MILAGRE! CRIANÇA É VISTA SENDO
ARREBATADA POR DEUS ENQUANTO CÃO DO DIABO TENTA LEVAR SEU PAI PARA O INFERNO
Não
eram necessárias grandes explicações. Todos sabem que a emissora dos bispos tem
o costume de dedicar grande parte da sua programação para enfiar goela abaixo
na garganta das pessoas suas ideologias protestantes.
Depois
de terminar o seu exercício de imaginação, Guilherme levantou do sofá e andou
até a sacada do apartamento, encostando-se na borda. Percebeu, naquele momento,
que talvez o conceito que nós temos sobre a verdade talvez não exista. Verdade
é relativa, varia da interpretação de cada um. Verdade é aquilo que os
poderosos dizem que é. Cada um possui a sua, cabe a nós desvendá-la.
Matheus Olegário - abril / 2015
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