quarta-feira, 19 de março de 2014

Eu não sou cachorro não


Um eterno apaixonado por sua esposa. Esse era Camilo, romântico, daqueles que mandam flores e fazem tudo o que a mulher quer. Laura era uma assistente social da prefeitura da sua cidade, que fazia trabalhos constantes nas residências da comunidade. Camilo, desempregado, fazia bicos e, de vez em quando, gostava de ir ao bar com os amigos para bebericar um pouco.

Sua esposa, até nos domingos, trabalhava. Saía de manhãzinha e chegava de sete horas da noite, todo santo dia. Sem férias, sem descanso. Camilo tinha orgulho de sua esposa e ficava imaginando o quanto o trabalho dela era cansativo. Sentia falta dela na cama, queria ter prazeres noturnos com sua amada, porém ela afirmava estar com muita dor no corpo e na cabeça devido ao longo dia no trabalho.

Isso se repetia diariamente, quando ele decidiu dar um basta naquela situação. Esperou Laura deitar-se à noite na cama e disse:

- Hoje você não me escapa.

-Não, não quero fazer nada. Estou com aquela enxaqueca.

- Não tem escapatória. Vai ser hoje que eu tiro meu atraso.

Laura virou-se e nem deu ouvidos. Ele não insistiu, deitou-se e dormiu. No dia seguinte, foi conversar com ela sobre o seu relacionamento.

- Laura, você não me deixa mais acariciá-la de noite, nem de dia em lugar nenhum.

-Você acha que está merecendo?

- Por qual motivo você acha que eu não mereço?

- Lembra-se que antes de nos casarmos você falou que iria trabalhar para me sustentar? Eu é que ponho tudo dentro de casa e você é simplesmente um parasita que vive às minhas custas.

-Ei, isso não é motivo para você fazer greve de sexo!

-Isso é pra você ter consciência e deixar de vegetar aqui em casa, cachorro!

Por sua causa, até aos domingos eu tenho que trabalhar para pôr o dinheiro dentro de casa. Seu inútil! Não serve para nada!

Não fez nada. Camilo simplesmente virou-se e dirigiu-se para o bar naquela manhã de segunda-feira. Bebeu, bebeu. E voltou para a casa.

Não sei dizer se isso foi um erro ou um acerto, pois quando chegou viu sua mulher dando “assistência” a um homem na sua própria casa. Camilo sentiu-se humilhado, pretendia se vingar, porém não teve coragem de fazer nada naquela hora. A bebida ajudou-o a controlar o estresse naquele momento.

No bar, já um pouco embriagado, Camilo lamentou aos seus amigos o ocorrido.

-Camilo, eu te falei que ela não era tão perfeita como você achava.

-Ela era antes de nos casarmos.

-Camilo, eu já sabia.

-Sabia de quê?

- Sabia que ela te traía. Mas nunca contei para não magoar você.

Camilo estava arrasado, humilhado, pois todos já sabiam que ele levara chifre. No dia seguinte, acordou no bar mesmo. Jaime, o dono, era muito amigo de Camilo, então fez o favor de deixá-lo dormir lá aquela noite. O romanticão viu seu amor se desmanchando. Decidiu retornar à sua casa para falar com sua esposa. Mas a humilhação não parou.

- Dormiu fora de casa heim, vagabundo?

- Dormi, já que dentro da minha casa havia outro.

- Seu vagabundo, bêbado!

A vingança pensada no primeiro momento foi matá-la. Mas decidiu não fazer isso. Voltou para casa e aguentou tudo durante vários dias. Mas o desejo de vingança nunca saíra de sua cabeça.

Aquela imagem da traição vinha em sua cabeça a todo o momento. Ele se vingaria. Em mais um dia de “trabalho”, a sua mulher saiu de casa cedo. Nesse momento, Camilo preparou o que precisava para destruir a vida de sua mulher, em cima da cama deixou um bilhete. Saiu em direção ao nada. De bar em bar, de mesa em mesa, tomando cachaça.

E ficou assim, indo de um canto para outro, jogado. Saiu em direção de uma enorme ponte e pôs fim ao seu sofrimento, suicidando-se. 

A mulher, ao chegar à sua casa, viu o bilhete, rapidamente abriu pensando que fosse algo de importante, um cheque ou algum dinheiro. Abriu. Nele estava escrito:


“Você foi a coisa mais importante que aconteceu na minha vida. Meu amor por você acabou abruptamente, não aguentava ouvir o povo me humilhando, então...”

Mário Jorge e Gabriel Oliveira
Conto produzido a partir da letra da canção brega Eu não sou cachorro não, de Valdick Soriano

Lama


  

 Lúcia sempre gostou de farrear. Sempre gostou de fazer tudo o que lhe vinha à mente. Geralmente saía para um bar que ficava a poucos metros da sua casa. Beber era a sua paixão, sua alegria de todas as noites. Bebia para esquecer seus problemas, esquecer que seu último caso amoroso fora um desastre total, esquecer que sua mãe a abandonara aos 8 anos de idade. Em especial, nas sextas-feiras, bebia até cair.

Normalmente, nesses dias, só acordava em casa, sempre cheirando mal, com as roupas rasgadas e com uma dor de cabeça terrível. Ela costumava ter vários casos com homens que frequentavam o mesmo bar, por isso era conhecida pela vizinhança como “pinguça da vida”.

           Todos falavam mal de Lúcia. Ninguém a queria em suas casas. Na verdade, ela nunca se importou com isso. Gostava de morar sozinha, de não ter que dar satisfação sobre sua vida a ninguém.Em uma dessas noites de sexta-feira programadas para beber até cair, ao entrar no bar, Lúcia se deparou com um rosto novo. Era um homem alto, forte, cabelos escuros que iam até seus ombros. Tudo nele era bonito.

           O homem estava sentado ao balcão tomando uma taça de vinho. Lúcia sentou-se ao lado dele e, então, começaram a conversar. Naquela noite, a “pinguça da vida” não bebeu até cair, não chegou em casa desacordada.Muito pelo contrário. Chamou o moço, Norberto, para acompanhá-la até sua casa. Passaram a noite juntos, sem más intenções, assistindo Um porto seguro, e rindo muito da “caretice” do filme.

  Todo aquele jeitinho de Norberto, o modo de pôr o cabelo atrás da orelha, de rir, de contar histórias malucas, encantou e conquistou Lúcia por completo. Foi nessa linda noite em que se iniciou o romance dos dois.Muito pelo contrário. Chamou o moço, Norberto, para acompanhá-la até sua casa. Passaram a noite juntos, sem más intenções, assistindo Um porto seguro, e rindo muito da “caretice” do filme.
Todo aquele jeitinho de Norberto, o modo de pôr o cabelo atrás da orelha, de rir, de contar histórias malucas, encantou e conquistou Lúcia por completo. Foi nessa linda noite em que se iniciou o romance dos dois.Passaram meses juntos. Estavam muito felizes, mas nunca deixaram a bebida. Todo final de semana saiam para beber, rir e gritar pelas ruas da cidade. Norberto passava a maior parte do seu tempo na casa de Lúcia.
 
            Os dois eram conhecidos na vizinhança como “casal pinguço”. Tudo parecia perfeito para eles. Em uma noite de sexta-feira, Norberto se recusou a ir ao bar com Lúcia. Disse somente que não estava a fim.
   “Cachorro safado! Vai me deixar ir sozinha!”, pensou ela. Foi ao bar, bebeu duas latinhas de cerveja e voltou para casa. Beber não era mais a mesma coisa sem Norberto. Ao chegar em casa, Lúcia escutou o barulho do chuveiro ligado. Tirou logo suas roupas e foi correndo para o banheiro a fim de fazer uma surpresa para o seu amor.

Ao abrir a porta do box, se deparou com Norberto agarrando a sua vizinha. A raiva subiu à cabeça de Lúcia. De súbito, pegou uma faca na cozinha e correu novamente para o banheiro.

             Os dois já estavam vestidos, com medo do que Lúcia poderia fazer com eles. Ela apontou a faca para os dois, puxou os cabelos da mulher e fez um corte em seu braço. Soltou a faca no chão, botou uma roupa e saiu correndo de casa. Lúcia chorava alto. Decidiu afogar suas mágoas na bebida. Nesse dia, ela bebeu mais do que era acostumada, todos diziam para ela parar, mas ela gritava:- Eu vou beber o quanto eu quiser! Ninguém vai me obrigar a parar! Ela deveria tê-los escutado. Seu fígado não resistiu. Na manhã seguinte, Lúcia era só mais um cadáver jogado na lama.


                                                                                                          Régia Carla

Conto produzido a partir da letra da canção brega Lama, de Núbia Lafayete.