segunda-feira, 4 de abril de 2016

O poder de uma imagem

          Recém-admitido no tão sonhado curso de publicidade, na UFRN, Guilherme gostava de, nas horas vagas, estimular sua imaginação, criando suposições e conjecturas sobre como os maiores grupos de mídia da atualidade reagiriam a certos eventos e situações. Era um exercício interessante, lhe atiçava os sentidos e sua percepção de mundo, lembrando-o constantemente de que a mídia brasileira estava longe de ser imparcial ou igualitária.
      Certo dia, teve a oportunidade perfeita. Enquanto voltava de sua corrida matinal pelo acostamento da Prudente de Morais, Guilherme flagrou uma cena um tanto inusitada, que lhe deixou perturbado – do outro lado da rua, em frente a uma casa, um homem, ainda de pijamas, arremessava um bebê para o alto enquanto um pequeno cachorro simulava relações sexuais em sua perna esquerda. Consternado, Guilherme parou, tirou seu Lumia do bolso traseiro da calça e fotografou a cena.
       Pelo restante do dia, o rapaz ficou com aquela imagem grudada em sua mente. Quem seria aquele homem? Por que estava jogando um bebê para o alto? Era seu filho? E o que aquele cachorro fazia em sua perna? Esta era uma excelente oportunidade para exercitar sua imaginação. Pensou em como a editora Abril, mais precisamente a revista VEJA, reagiria àquela foto, considerando a linha de reportagens especulativas e pouco imparciais que a revista sempre seguiu. Imaginou a foto estampando a primeira página, com o seguinte título em letras chamativas e negrito:


PETISTA TORTURA FILHO DE DEPUTADO TUCANO ENQUANTO PRATICA ZOOFILIA


       Seria um título apropriado. É de conhecimento geral o posicionamento político e tendencioso da revista, além de seu fetiche quase doentio pela esquerda brasileira e mais precisamente pelo Partido dos Trabalhadores. Seguindo com seu exercício, Guilherme imaginou como a SUPERINTERESSANTE, também da editora Abril, iria descrever aquela imagem:
          Pensou na foto postada no site da revista, na seção de bizarro e sobrenatural, com o título em letras de forma:


CRIANÇA É ABDUZIDA POR ALIENÍGENAS E PAI É SALVO POR CACHORRO


             Não era um exagero, o ramo do jornalismo bizarro estava ganhando espaço no Brasil há muito tempo. E engana-se quem pensa que são matérias tão absurdas que ninguém seria capaz de acreditar nelas – casos como o ET de Varginha estão aí para demonstrar que nunca se pode subestimar o quão uma população ignorante e volátil como a brasileira pode ser manipulada. Bastar aparecer a história certa.
           Seguindo, Guilherme imaginou como o maior e mais abrangente meio de comunicação do país, a Rede Globo de Televisão, reagiria à imagem. Pensou na foto sendo mostrada no Jornal Nacional, com a seguinte legenda:


VÂNDALO É VISTO DEPREDANDO PATRIMONIO PÚBLICO. CACHORRO TENTA IMPEDIR, MAS É MORTO


        Um título justo. A fórmula do jornalismo sensacionalista que a Rede Globo usava desde a sua criação era quase mágica – suficiente para chocar o espectador, mas não ao ponto de fazer a emissora virar piada, como a de um certo apresentador que começa com Silvio e termina com Santos.
         Em sua última conjectura, o rapaz pensou a maneira como a Rede Record iria interpretar aquela imagem. Pensou na fotografia ilustrando a matéria de um de seus programas matinais, trazendo a seguinte legenda:


MILAGRE! CRIANÇA É VISTA SENDO ARREBATADA POR DEUS ENQUANTO CÃO DO DIABO TENTA LEVAR SEU PAI PARA O INFERNO


              Não eram necessárias grandes explicações. Todos sabem que a emissora dos bispos tem o costume de dedicar grande parte da sua programação para enfiar goela abaixo na garganta das pessoas suas ideologias protestantes.
                Depois de terminar o seu exercício de imaginação, Guilherme levantou do sofá e andou até a sacada do apartamento, encostando-se na borda. Percebeu, naquele momento, que talvez o conceito que nós temos sobre a verdade talvez não exista. Verdade é relativa, varia da interpretação de cada um. Verdade é aquilo que os poderosos dizem que é. Cada um possui a sua, cabe a nós desvendá-la.

Matheus Olegário - abril / 2015